BANHO DE MARIPOSA

Eu estava bem na minha, no meio do banho quando a percebi, embora já estava muito atrasado para o culto, entre uma ensaboada e outra ficava a observar aquele bichinho minúsculo que parecia nadar sobre a água que acumulava no chão antes de escorrer pelo ralo.

Pensei que havia possibilidades dela morrer porque a água estava um pouco quente e até pensei em jogar um pouco sobre a bichinha para ver o que aconteceria, como ela se sobressairia, talvez por pura maldade, mas para meu próprio alivio não obedeci aos meus maus pensamentos, nem aos bons porque pensei em ajuda-la e retirá-la da água para vê-la voar, mas o pensamento veio e foi muito depressa, talvez por causa da correria do banho e o meu atraso para ir à igreja.

Então de repente me dei conta de que a Mariposa não se mechia mais, fiquei meio atordoado e desejei vê-la se mecher e até prometi para mim mesmo que a ajudaria se ela se mexesse só mais um pouquinho, mas ela não se mexeu e eu fitei os olhos nela esperançoso e nada, nenhum movimento.

Foi aí que percebi o meu desperdício: não aproveitei a oportunidade que tive de salvar e ajudar a preservar aquela vida e agora ela estava ali, ainda perfeita, era ela toda uma Mariposa: cabeça, asas, corpo, cor e membros de Mariposa; mas era uma mariposa sem movimentos, era apenas um corpo agora, mais parecia um objeto inorgânico, uma pedra, sem vida; mas um dia sei que ela teve vida, há alguns instantes ela estava viva e eu a perdi, queria que ela voasse agora, voltasse a voar, voltasse à vida; queria que a vida entrasse naquele corpo de novo e saísse voando, como será que a vida entra no corpo? Ou como será que se coloca uma vida dentro de um corpo? E eu não tinha como colocar ou fazer a vida entrar de novo naquele corpo e tive que aceitar a dura realidade, não havia mais nada a fazer a não ser aceitar que eu tinha perdido e comigo todos os seres viventes porque eramos todos menos um agora.

E assim, sai do banho e fui para a igreja com aquela sensação de perda, cheguei ao culto atrasado como sempre e estavam comemorando o dia das mães, lembrei que é da mãe que a vida nasce e me lembrei de novo daquela mariposa, quem sabe ela também não era mãe, e se não era mãe certamente era uma filha que veio ao mundo, viveu, do jeito dela e morreu no dia das mães porque eu não a ajudei a sair da água do meu banho que matou a coitadinha.

Enquanto eu fazia a última revisão dessa homenagem, uma mariposa atropelou o meu braço e sumiu, sei não! Essa mariposa tem cada uma...