Um jovem negro tem duas vezes e meia mais “chance” de ser assassinado
Isto não é demagogia de algum grupo negro, para chamar atenção para sua causa, isto é o resultado de um estudo sério, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública elaborado em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)(este relatório foi divulgado nesta quinta-feira (7) pela Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República, em Brasília), e este estudo aponta claramente que o risco de um jovem negro ser assassinado no Brasil tem aumentado, e supera em 2,5 vezes a possibilidade de um jovem branco ser vítima de homicídio. Naquele estudo, o Índice de “Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014” apontou que a taxa de jovens negros assassinados por 100 mil habitantes subiu de 60,5 em 2007 para 70,8 em 2012 (entenda-se como jovens aqueles com idade entre 12 e 29 anos). É bem verdade que a taxa de vítima de homicídios entre os jovens brancos também aumentou: de 26,1 para 27,8, entretanto a diferença é absurda, e ainda teve maior fator de crescimento entre os jovens negros. O mais incrível é virarmos nossa cara para o lado, fingindo que desconhecíamos este fato. O risco de homicídio de um jovem negro em 2007 superava em 2,3 vezes o de um branco, e este índice cresceu, vou repetir, cresceu esta diferença para chegar em 2012 a 2,5. Em números absolutos, isso significa que 29.916 jovens foram mortos em 2012, sendo 22.884 negros e 7.032 brancos, prestem bem atenção, quase 23.000 jovens negros, contra cerca de 7.000 jovens brancos (7000 homicídios de jovens brancos já é um absurdo, mas para jovens negros este número vai a 22.884), e o que é mais triste, este é um quadro que persiste a várias décadas. Isto por si só já deveria acender todas as luzes de alerta, de atenção e de cuidado, pois que demonstra claramente o disparate que é a diferença social entre negros e brancos. Deveríamos todos, independentemente de nossa cor, credo ou não credo, gênero, nível social, poder econômico, ou grau de instrução, termos vergonha e revolta com este estado calamitoso de inclusão e dignidade social. Devíamos coletivamente nos compromissar com a transformação necessária sobre nossa própria sociedade para que brancos e negros possam ocupar, segundo sua divisão numérica populacional, todos os níveis e estruturas de nossa sociedade, seja ela política, econômica ou cultural.
Precisamos enegrecer a elite social de nossa sociedade. Por isso sou a favor das políticas propositivas de apoio social a inclusão dos menos favorecidos e muitas vezes esquecidos, excluídos e abandonados a sorte do azar. Temos mais da metade de nossa população negra, desta forma é necessário buscarmos igualar esta distribuição em todos os níveis e estruturas sociais. Enegrecer nossas universidades, em todos os cursos, não somente nos de extensão, mas também nos de pós-graduação, mestrado e outros é necessário, não é tudo, mas já é um progresso. Dizer que não é culpa dos governos é mascarar a necessidade de um compromisso político e social por este desafio que se faz premente, já a muito tempo, e que prolonga insensivelmente, uma situação onde negros, pobres, e índios, são relegados e esquecidos.
Não vou dizer que sob qualquer perspectiva ou índice, pois que não gosto de afirmações tão incisivas, mas posso dizer que sob a maioria absoluta de perspectivas, índices ou questões sociais, os pobres ficam relegados as piores situações, e os negros pobres acabam por sofrer duas vezes, e as mulheres negras e pobres sofrem três vezes o malfadado “não racismo” que existe no Brasil. Fazemos ouvidos de mercador, e olhos de míopes avançados para a situação real de convivência social, de inclusão humana, e de dignidade de vida que envolvem pobres e em especial negros pobres. Fingimos que as relações políticas, sociais, culturais e de poder são igualmente distribuídas a todos, e que se os negros não chegam lá, em volume compatível com sua divisão na sociedade, é porque eles não se esforçam, pois que “falaciamos” serem iguais as oportunidades, só nos esquecemos que oportunidades iguais para desiguais, principalmente para desiguais tão desiguais quanto negros pobres, mulheres negras pobres, e por outro lado a toda poderosa elite branca, é de tal monta que chega a me ofender imaginar que realmente acreditamos que eles possam, em volume, preencherem mais de cinquenta por cento da nossa elite política, social, cultural e econômica, sem alguma ação transformadora.
Podemos fingir que o índice não traz sentido nenhum aos problemas de segregação social que envolva o “não existente” racismo no Brasil, mas seria tapar o sol com peneira. O relatório traz um índice forte, inédito, claro e conclusivo, que mostra que a cor da pele dos jovens está diretamente relacionada ao risco de exposição à violência, e cabe reforçar que este status permanece, com flutuações, já a várias décadas.
O que nos cabe fazer? O que me cabe fazer? Trabalhar sério, junto com o estado, junto com os representantes políticos, junto aos poderes legais, econômicos e políticos para uma transformação de nossa sociedade, incomodando, cobrando, reivindicando, e escolhendo nossos representantes políticos, não por interesses pessoais, mas por interesses sociais, por interesses políticos desde que estes tenham viés social, interesses econômicos desde que estes estejam aderentes as necessidades sociais, e por interesses culturais, desde que estes tenham lugar nas necessidades sociais. Precisamos nos revoltar sinceramente, não aquela revolta que nos incomoda por meros minutos enquanto lemos ou ouvimos, mas que logo se vai, mas sim aquela revolta real, empática, sensível, e comprometida com a necessidade de transformar. Precisamos deixar claro que enegrecer nossa estrutura de poder, de todos eles, político, econômico ou cultural, é apenas um dos caminhos, que passa por muitas outras decisões, e vontades políticas. Enquanto olharmos para os negros como que se culpados eles fossem pela sua condição, não vamos chegar a lugar nenhum, precisamos abrir os olhos da mente e pensar sem preconceitos, sem dogmas, sem antolhos, e ver que é a própria sociedade que ajudamos a manter, que de alguma forma perpetua esta condição de humilhação, de exclusão, de opressão, de exploração, e de segregação. Enegrecer a elite tem de passar por enegrecer todos os níveis de nossa sociedade, e branquear alguns, como presídios (não necessariamente que se prenda mais brancos, apenas os que merecem, mas passa por reduzir a necessidade de prender negros, passa por dar um tratamento legal e de justiça com igual foco humano aos dois, bancos e negros).