O Havaí
Doutor, muito obrigado por me receber aqui em sua clínica. Tive uma ótima recepção assim que passei pela porta de entrada. Suas recepcionistas são extremamente simpáticas, e o cafezinho estava ótimo. Mas não escolhi sua clínica por conta do café. Escolhi ser atendido pelo senhor porque reconheço que esta é a melhor clínica de psicologia do país, e necessito de um tratamento especial. Acontece que não consigo mais escrever, doutor. E isso é um problema, pois sou escritor. Sou um escritor que não escreve, e não consigo mais encontrar um brilho naquilo que faço – ou que pelo menos fazia. Algo certamente saiu do trilho, e não importa o quanto eu olhe para trás, não consigo enxergar o que foi. A seca de inspiração abriu espaço para um enorme desespero, que se transformou rapidamente em depressão. Minha vida virou de cabeça para baixo, e escrever um simples e-mail já se tornou tarefa dura. Quando estou inspirado, escrevo em um guardanapo. A coisa está feia. E preciso da sua ajuda, ou não terei dinheiro para pagar a nossa próxima sessão.
– Você já viajou para o Havaí? – perguntou o doutor.
– O quê?
– O Havaí. Você não conhece? É um arquipélago, lugar bonito. Fica lá nos Estados Unidos…
– Doutor, eu sei onde fica o Havaí. O que eu não sei é a conexão entre o Havaí e o meu problema. Ou com qualquer coisa.
– Ouvi dizer que é um lugar muito bonito nesta época do ano…
– Doutor, acho que você não está me ouvindo aqui. Eu estou desesperado. Não consigo mais fazer aquilo que faço de melhor. Faz meses que não escrevo. Estou sem dinheiro, meu casamento entrou em crise, tive que vender meu carro para pagar as contas. Preciso encontrar uma solução para o meu problema. Você tem ideia do que pode ter gerado esta crise de criatividade dentro de mim?
– Os polinésios.
– O quê?
– Foram os polinésios.
– Os polinésios roubaram a minha criatividade?
– Foram os polinésios que descobriram o Havaí. Eles estiveram lá muito tempo antes dos europeus, ao contrário do que…
O escritor se atira por cima da mesa para agarrar a garganta do psicólogo. É verdade que o psicólogo testou a paciência do escritor, que já se dizia desesperado com o seu problema, mas tentar esgoelar o psicólogo dentro de sua própria clínica era demais. Talvez o escritor só precisasse relaxar um pouco. Ou quem sabe viajar para o Havaí, que, por sinal, dizem que é um lugar muito bonito nesta época do ano…