MEMÓRIA POÉTICA

As percepções chegam em fragmentos como pequenas jóias que compõem um mosaico de sonhos na projeção das vívidas realidades. Talvez o gosto do doce escondido sob a fronha, talvez o som travesso nos ecos tardios da compreensão...

Encontrei-me na infância e não consegui me conter em mim. Como uma extravagante presença, cheia de fatos, fui apenas uma das tantas máscaras modeladas pelas fantasias sem mãos ou pés registrados nas aquarelas do tempo. Uma sombra alongada dos dias projetada entre ladainhas e silêncios.

Retalhos de uma época de ilusões. Conhecimentos remotos que se constroem nos arranha-céus dos projetos maduros ou se escondem nos sítios arqueológicos de algumas ignorâncias. Eu, monumento, a presença e a nostálgica memória que brinca nos labirintos inconscientes. Eu, quase um estranhamento, encontrando, sem malícia, o significado da inocência.

Intervalo do olhar. Uma emoção que não pode ser verbalizada e arrepia o corpo numa oração desconcertante. Quase realidade, a vida entre os véus biográficos, as memórias traduzidas na ficção de íntima autoria. Retorno à época das prudências e já não me reconheço sem a infinidade infantil.

Entre espelhos, costuro horizontes e me liberto dos anseios para ser tão-somente um sentir pueril, atemporal. Debruço-me sobre a varanda das possibilidades sem os ardis dos auto-enganos e me aproprio das paisagens mais longínquas. Entre imagens, sou a superfície cicatrizada de vivências e sonhos.

Cheiro de chuva. O olhar arregalado espelha um incerto arco-íris enquanto desliza no vôo de um pássaro sonolento. Em silêncio, as pequenas mãos colhem palavras suspensas no vento a salvo do chão de significados e as embalam entre folhas, entre dias, entre eternidades...

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 12/06/2007
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