PESQUISA
Às três da madrugada o telefone tocou. O ruído atravessou os portais de meu sonho, me vibrou na cabeça e acordei trêmulo e confuso. O ouvido fazendo “triiiimmm”. Quem sou eu, onde estou? Atendi maquinalmente, pensando em várias possibilidades de desgraça. Telefonema a essa hora só pode ser coisa ruim. Uma voz dizia: isto é uma pesquisa. Por favor, diga em uma palavra o que sentiu ao ser despertado pelo telefone.
Diabos, como concentrar numa só palavra tudo que acabei de sentir. Certamente, ainda não existe tal palavra. Palavras são conceitos. Catalogam as coisas, considerando as propriedades que lhes são comuns, tirando-lhes a individualidade. Uma árvore é uma árvore. O amor é o amor. Mas o amor de Pedro por Joana não é o mesmo de João por Maria.
A manchete “Pedreiro mata amante” diz apenas que um indivíduo que tem a profissão de pedreiro tira a vida de uma pessoa com quem mantinha relações afetivas. E o resto? É necessário toda uma reportagem para explicar. James Joyce escreveu um livrão de “trocentas” páginas para descrever um só dia na vida de um cara. Como é que vou explicar com uma palavra tudo o que me passou pela cabeça naquela situação?
E ainda mais: as palavras são volúveis, às vezes não dizem aquilo que a gente pretende dizer. A tal da pesquisa pode sair prejudicada. Vejam só: se tomado ainda pelo sono, digo alguma coisa indevida, isto pode causar uma distorção na hora de tabulação dos dados.
Vamos que a tal pesquisa seja de vital importância para o estudo da mente ou para a subsistência da raça humana na terra. Ou, pelo menos, dela dependa a eleição de algum político ou a exclusão de um dos participantes do Big Brother. Olha aí a minha responsabilidade.
Tudo isso me passou pela cabeça em um segundo e meio. Não poderia decepcionar os organizadores da pesquisa, mas onde encontrar tal palavra? Aí me caiu a ficha: peraí, e se for um trote? Então a palavrinha saiu fácil, fácil...