Dispensando um milagre.
Quando ainda estava no colégio, mais ou menos na 7ª série, morava num sítio, três quilômetros da cidadezinha do interior de São Paulo chamada Adolfo. O ônibus escolar passava por uma estrada de terra pegando todos os alunos que aguardavam, geralmente, sentados no mourão da porteira.
A casinha onde morava ficava cerca de 800 metros do local onde esperava o ônibus. Quando eu avistava uma nuvem de poeira era o sinal de que deveria ir para o ponto. Era o ônibus que vinha fumaçando feito locomotiva velha. Quase sempre entrava nele afoito por conta da correria. Eu só andava no limite do horário.
A aula começava às 19h30, mas eu tinha que estar prontinho às 17h, pois tinha mais alunos no decorrer do caminho para serem pegos.
Certa vez perdi a hora e então tive que ser levado à escola a cavalo. Meu pai tinha acabado de amansar o Sereno, que de sereno mesmo só o nome, era bravo feito o lúcifer. Mas eu era um cavaleiro de primeira e não caía nem a pau. Com todos os pulos e imprevistos ainda cheguei antes do ônibus.
Meu pai me deixou na porta de um barzinho que ficava do lado da escola Professora Odila Bovolenta de Mendonça.
Vinha um cheiro de espetinho de carne desse barzinho que me virava o estômago ao avesso. Obviamente que estava à venda e eu não tinha um puto de Real. A vontade/fome era tanta que pedi a Deus que alguém me oferecesse, de graça, é claro.
O inacreditável aconteceu: o dono do bar vendo meu zoio esbugalhado me ofereceu. Mas o que eu não esperava era que minha vergonha fosse maior que a fome e, angustiado, respondi: "quero não. Não gosto de carne".
Acho que sua raiva ainda é menor que a minha neste momento. E não é que a vida é assim? A gente quer tanto um coisa e, de repente, por uma bobeira perde o que já estava ganho. Mas o que a gente não sabe é que até a perda é um ganho, só depende de como ela é encarada. Noutro dia fui lá com meu pai e comi, comi, comi...