O MEDO
Creio que ele está por trás disso. Acho que a ideia de escrever foi dele. Presumo que me tomou a mente de assalto e convenceu-me a escrever, sugerindo-me, enganoso, que eu poderia tentar exorcizá-lo. Como se um simples digitar pudesse diminuir o intenso e crescente impacto que ele exerce sobre mim! Porém, aqui estou, ainda cativo nestas teclas, e sinto o seu hálito quente em minha nuca, como uma fera pronta a devorar-me. Creio que, na verdade, o vaidoso quer que eu mostre a todos sua horrenda face, que eu aponte seu esconder-se por trás do balançar da cortina, que é falso, pois bem sei que está é em minhas entranhas, embora possa,também, inesperadamente, entrar por qualquer janela como uma flecha ou um projétil para atingir-me o crânio.
Ele quer que eu chore. Mais: quer que eu perca o controle de meu corpo. Mas tenho que alimentar este corpo, preciso banhá-lo, dar-lhe remédios e até vitaminas. Devo fazê-lo andar pelas ruas, entrar no ônibus, cumprimentar o motorista, o cobrador, pedir licença para passar à frente da senhora que esparramou sacolas de verduras no corredor. Enfim, devo me comportar como se tudo estivesse acontecendo dentro da normalidade. Assim, é preciso que eu pare de piscar ou de passar as mãos nervosa e repetidamente pelas pernas. Não devo chamar a atenção de ninguém. Ele se deliciaria com isso, pois me chamariam de louco e ele escaparia, saltitante, faceiro, no meio do trânsito. Ao longe, me faria caretas, me daria bananas.Assim, devo, pacientemente, carregar esse esquálido e desajeitado corpo aonde ele determinar.
Devo ser simpático com o garotinho que me olha curioso, pois devo reconhecer que ele nunca viu em sua vida um ser tão atormentado. Meu olhar é oblíquo, nunca encaro ninguém, pois logo perceberiam meu desequilíbrio.
Ao chegar em casa, imediatamente busco as roupas no varal, pois não há mais sol e os vizinhos poderiam desconfiar de minha sanidade mental.
Há dias percebi que tenho que enfrentá-lo. Ao fazer a constatação instantaneamente voltei-me e percebi que sua cauda havia aumentado e que seus dentes estavam mais pontiagudos. Seu olhar estava, mais que desdenhoso, provocativo.
Torna-se a cada dia mais atrevido. Temo que me aprisione no apartamento, ou no quarto ou somente na cama, cujas cobertas já se enroscam em minhas pernas como cordas pestilentas. Então, passará a me espancar, dia sim, dia não, e não terei voz, força ou coragem para reagir.