A tua, a de Gorki e a mãe dos outros
 
          Nas conversas de infância, nunca se ouviu alguém dizer “é minha mãe”; o corriqueiro era escutar como início de briga: “ É  tua mãe”. Então, eriçava-se a rixa, ao ponto de inchaços e sangramentos. Nossas reações iam muito além daquelas do juiz de futebol, indiferente à gritaria da multidão atribuindo à “mãe do árbitro” o pênalti mal apitado; afinal de contas, como “dar cartão vermelho” à torcida ou registrar na súmula que a ‘arquibancada do sol’ chamou o juiz de filho dessa ou daquela outra?
          Em 1980, no trânsito de Paris, o amigo Pierre gritou “fils de pute” ao motorista que o ultrapassou indevidamente, e a intelectual Chantal irou-se: “Que mal existe em ser filho da puta?” Pierre amarelou, tratou de ficar calado, diante da interrogação da francesa que foi a afirmação de que “mãe é mãe”, não importa em qual condição social; santa ou prostituta, o meretrício não diminui a dignidade de ser mãe; ou, enquanto mãe, a mulher se eleva acima de tudo, superando qualquer discriminação, sobretudo as  causadas pelas injustiças sociais que forçam a mãe prostituir-se para criar o filho. Lembrei-me da generosidade de Sonia, em “Crime e Castigo”, de Dostoievsky, e da “Mãe”, impressionante obra de Gorki.
          Retrocedi no tempo e analisei a intriga provocadora de arruaça: “Ele falou da tua mãe”. Observe-se que, com raiva, o insultado não percebe ser apenas ele o alvo da injúria; já que sua mãe, o pretexto, é considerada também pelo agressor como aquilo de mais sagrado na vida. Assim, simulando desvalorizar a genitora alheia, ele a supervaloriza, mesmo ao desrespeitar o que existe de maior valor na vida do seu rival: a mãe. Nesse sentido, em nenhuma cultura, acontece xingação aos pais, aos tios, às tias ou aos avós. Xinga-se “a mãe dos outros”, universalmente inaceitável pelo amor do filho à mãe e pelo amor da mãe ao filho. Vê-se, em filmes e romances, ser a mãe quem mais lastima a ida do filho à guerra, quem mais espera seu retorno ou quem mais chora sua eventual morte. Filosofando, há de se concluir que não existe mãe sem filho e, nem tampouco, filho sem mãe. Por isto, o mau filho que assassina a mãe deve ser julgado como “mal do século” ou nada é pior do que o filho que não tem mãe sem ser órfão...