MULATO
M U L A T O
Chamava-se Raimundo, mas todos o conheciam pelo apelido de Mulato.
Nasceu e foi criado na localidade Taquaraçu, zona rural de Calambau.
Nunca havia saído da região e as cidades que ele conhecia eram Calambau, Piranga e Porto Firme.
Tinha um filho que trabalhava para um carvoeiro como ajudante (chapa) de caminhão. O carvão era levado para Volta Redonda, toda semana.
Numa das viagens, quando pararam no asfalto para socorrerem as vítimas de um acidente, o filho do Mulato foi atropelado por um carro e teve que ser levado para um hospital para tratar de uma perna fraturada e algumas escoriações.
Como o rapaz teve que ficar internado, o carvoeiro, na viagem seguinte, resolveu levar o Mulato para visitá-lo.
- “ Ô Lafaiete pra ser longe! exclamava o Mulato. Se fosse no meu cavalo “fubá”, demoraria uns dois meses pra chegar lá. De Lafaiete pra lá, creio em Deus Padre, nunca vi tanto carro na estrada... parecia formiga, tudo encarreirado...”.
E aí foi o nosso Mulato se admirando de tudo o que via. Quando chegou ao Estado do Rio, o caminhoneiro lhe disse que estavam em outro estado. Aí, o Mulato pergunta-lhe se a gente entendia o que o pessoal dali falava. Se falasse igual cigano “era ruim deu cunversá com eles”...
Já quase anoitecendo, chegaram em Volta Redonda. O Mulato assustou-se com a altura das chaminés da CSN, e comentou:- “estas chaminés devem dar umas dez chaminés do engenho de rapadura do Vicente Faria”. E continuou: - “pode juntar as chaminés dos antigos engenhos do Antônio Custódio, Zé Carneiro e Sô Dino, que elas não chegam aos pés destas”.
Como o dono do caminhão tinha que descarregar a carga, levou o nosso amigo Mulato até um restaurante para que ele jantasse, pois quem mora na roça não fica sem jantar...
Chegando ao restaurante, o caminhoneiro explicou ao Mulato que lhe seria servido um “prato feito” (PF), e tão logo ele jantasse, deveria aguardá-lo na porta do restaurante.
No restaurante, Mulato ficou espantado com tanta gente comendo. Será que tem pagode aqui? pensou.
Como ele dizia: Muitos comiam o tal PF, mas outros que pareciam estar com muita fome, compraram “uma mesa inteira”, referindo-se àqueles que pediram uma refeição. Dentre eles ficou conhecendo o baiano Valdomiro, que logo tornou-se seu amigo, pois Mulato havia dito que era “do Baía”, como o pessoal daqui chama o lugar que tem este nome, na zona rural de Calambau . Se você é da Bahia então somos conterrâneos, disse o baiano. Eu sou da Baía, mas é aquela onde fica a fazenda do Zé Carneiro, no meio de Calambau e Piranga, explicou Mulato. O baiano não entendeu nada...
Quando entregaram o prato ao Mulato, acompanhado de um garfo e uma faca, ele foi logo dizendo: - eu quero é uma colher e não sei pra que esta faca se aqui não tem laranja pra descascar! Outro pedido do Mulato foi o angu. Quando disseram que não tinha, ele retrucou: -”Nunca vi comer sem angu”.
Ao seu lado, em uma mesa, o baiano havia pedido uma refeição. Ao vê-lo, o Mulato pensou: - “este homem deve estar com muita fome..”. Quase terminando de comer, notando que na mesa do baiano havia sobrado muita carne, Mulato não teve vergonha de lhe dizer:- Já que o senhor não vai comer toda esta carne, será que eu posso pegar um pedaço? O baiano concordou.
Terminado o jantar, todos foram tomar um cafezinho. Entregaram para o Mulato um copo de vidro com café, pela metade, e uma colherinha.- “ Será que eu vou ter que tomar este café com esta colher pequena?” Depois que ele viu o que os outros estavam fazendo, fez o mesmo.
Após o café, o nosso amigo saiu do restaurante. Logo veio o garçom e disse-lhe:- O senhor está querendo dar o cano no jantar? – “ Olha moço, eu não tenho cano nenhum para dar” . - Não se faça de bobo, eu estou dizendo que o senhor saiu sem pagar, respondeu o garçom.
- Ô rapaz, é mesmo. Me desculpa, é a primeira vez que pago para jantar. Lá em casa, e nas casas dos amigos e parentes, ninguém paga nada.
O Mulato continua sua narrativa : - “Foi só sair do restaurante que a minha barriga começou a roncar. Eu acho que é a carne que o baiano me deu. Parecia que ele estava me dando com dó...
Eu não sabia aonde eu ia “amarrar o gato”(fazer as necessidades fisiológicas...). Olhei para um lado e para o outro e não vi nenhuma bananeira. Lá longe avistei um rio. O pessoal de lá dizia que era o rio Paraíba. Corri em sua direção, procurei uma moita de capim, fui bem para a beira do rio. Quando estava lá, na maior tranquilidade, saltou um grande peixe perto de mim, e então levei o maior susto. Tive que terminar o expediente muito rápido...
Depois fui com o carvoeiro até o hospital, fiquei com o meu filho até quase meia noite. No outro dia, de manhã, voltamos para casa, depois de dormir em uma pensão.
Deu para ver como este mundo é grande. Tenho fé em Deus que nunca mais volto naquele lugar.
Lugar pra gente viver é aqui! “
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PS: O Mulato me relatou essa viagem, poucos meses antes de sua morte. Contou-me dando as suas famosas risadas.
Murilo Vidigal Carneiro
Calambau , outubro/2014