As tristes doenças que curam

Passei os últimos dias deste mês doente. Não queria, porém, que as pessoas soubessem dos meus queixumes particulares, e, portanto, retirei-me, num ato de isolação que certamente não seria recomendado por nenhum médico, afinal de contas o meu quadro poderia piorar muito a qualquer momento e eu não contava com ninguém a disposição, ninguém para me dar sequer um xarope às pressas, caso uma crise se instalasse.

Mas a tristeza maior não estava na doença, não. Estar doente é um modo de exercitar a solidão, de se familiarizar com a morte e de entender que, mesmo que você fique de cama por um longo tempo, o mundo continua inalterável, hediondamente o mesmo, terrivelmente cotidiano, insensível às nossas mazelas, numa espécie de ingratidão injustificável para conosco.

Certas tristezas, enfim, são fruto da nossa tentativa fracassada de moldar a realidade, que segue seu curioso curso de indiferenças, as nossas expectativas pessoais, fazendo com que, juntamente com nossa febre de quarenta graus, o mundo também pare para cuidar, zelar e paparicar nossa doença. E isso não acontece, na frialdade própria que é feita o mundo.

Minha tristeza ensinou uma humildade insuspeitada, uma alegria conquistada na doença. O sofrimento é revelador: faz com que situemos as coisas da vida em sua perspectiva acertada acerca dos fatos: o mundo não pára para nos glorificar, nos mimar, convencer-nos de que somos inestimáveis e indispensáveis ao decurso natural das coisas. Mais leve de minha condição – e por isso mesmo mais humano, solidário e triste – acordei, depois desses dias seguido na cama, melhor, e então pude saudar a humildade que vinha com o sol, entrando na minha janela e convidando-me a viver o pouco, o pouco alegre que era toda a saúde do meu espírito, sabedor de delícias pequenas e fundamentais.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 08/05/2015
Código do texto: T5234773
Classificação de conteúdo: seguro