Angélica
Uma pequena explosão
Uma fração de segundo (...)
Não leva em conta a gestação
A dor da luz
Ignora carinhos
Noites em claro
Ri de amores e de sacrifícios
Dos deveres de escola, dos aniversários
E declara arrogante "Chegou a hora!"
Herbert Vianna - História de uma Bala
Uma fração de segundo (...)
Não leva em conta a gestação
A dor da luz
Ignora carinhos
Noites em claro
Ri de amores e de sacrifícios
Dos deveres de escola, dos aniversários
E declara arrogante "Chegou a hora!"
Herbert Vianna - História de uma Bala
Após acompanhar o enterro do pai de um amigo, eu saia do cemitério absorta e constrita, quando o som de um choro angustiado chamou minha atenção. Levantei o olhar e deparei-me com um pequeno grupo onde uma mulher, de uns trinta e poucos anos, clamava pelo filho, morto.
Imaginei o quanto seria jovem o rebento tão desesperadamente pranteado. Doeu-me fundo, como assaz doer fundo esta nossa incompreensão dos desígnios de Deus. O que teria ceifado tão precocemente essa vida preciosa, deixando em total miséria emocional aquela Angélica, a repetir, em sentida ladainha os versos de Chico Buarque?
Não preciso ser eu mesma genitora de ninguém, para saber que não deve haver dor maior do que a da mãe que sobrevive à sua cria, algo cada vez mais comum nesses nossos tempos violentos.
Tristes tempos estes nossos, lembrei-me agora, quando, às vésperas de seu primeiro dia das mães, uma amiga foi demitida da escola onde lecionava, ao retornar de sua licença gestante. Sim. Tudo dentro da lei, todos os direitos pagos, mas… Sob o argumento de que mães produzem menos, isso não parece meio coisa de filho de chocadeira? Ainda mais se considerarmos que a instituição, sendo coordenada por religiosos católicos - cuja Igreja condena a maior parte dos métodos contraceptivos existentes -, não deveria ter uma atitude um pouco menos comercial da sua relação com as pessoas e, em especial, com as mães?
Minha amiga terá o suporte do esposo até conseguir outro emprego, mas esta não é a realidade de tantas outras que passam pela mesma situação. Lamento por todas elas, por todas nós mulheres, que nos vemos na obrigação de escolher entre o próprio sustento e a realização do sonho da maternidade. Mães produzem menos, mas cada um de nós só está vivo hoje, e produzindo, porque teve uma mãe que abdicou de muitas coisas por nós.
Um texto triste, eu sei, numa data doce de homenagens e flores.
A elas, todas as homenagens, todas as flores, todas as bênçãos.
E muita dignidade.
Texto publicado no Jornal Alô Brasília de hoje.
Imaginei o quanto seria jovem o rebento tão desesperadamente pranteado. Doeu-me fundo, como assaz doer fundo esta nossa incompreensão dos desígnios de Deus. O que teria ceifado tão precocemente essa vida preciosa, deixando em total miséria emocional aquela Angélica, a repetir, em sentida ladainha os versos de Chico Buarque?
Não preciso ser eu mesma genitora de ninguém, para saber que não deve haver dor maior do que a da mãe que sobrevive à sua cria, algo cada vez mais comum nesses nossos tempos violentos.
Tristes tempos estes nossos, lembrei-me agora, quando, às vésperas de seu primeiro dia das mães, uma amiga foi demitida da escola onde lecionava, ao retornar de sua licença gestante. Sim. Tudo dentro da lei, todos os direitos pagos, mas… Sob o argumento de que mães produzem menos, isso não parece meio coisa de filho de chocadeira? Ainda mais se considerarmos que a instituição, sendo coordenada por religiosos católicos - cuja Igreja condena a maior parte dos métodos contraceptivos existentes -, não deveria ter uma atitude um pouco menos comercial da sua relação com as pessoas e, em especial, com as mães?
Minha amiga terá o suporte do esposo até conseguir outro emprego, mas esta não é a realidade de tantas outras que passam pela mesma situação. Lamento por todas elas, por todas nós mulheres, que nos vemos na obrigação de escolher entre o próprio sustento e a realização do sonho da maternidade. Mães produzem menos, mas cada um de nós só está vivo hoje, e produzindo, porque teve uma mãe que abdicou de muitas coisas por nós.
Um texto triste, eu sei, numa data doce de homenagens e flores.
A elas, todas as homenagens, todas as flores, todas as bênçãos.
E muita dignidade.
Texto publicado no Jornal Alô Brasília de hoje.