Memórias
 
 
 
                  Estava lanchando num bar,  quando um amigo me diz que hoje as mães não fazem mais aqueles bolos  tradicionais de domingo, nem mesmo cozinham um simples ovo. Atualmente, tudo se faz na rua. As famílias comem fora de casa.
                  Esta observação me fez lembrar de minha mãe. Mas o que aconteceu comigo foi muito antigamente, fim da década de 60.  Antes de contar o ocorrido, devo dizer, a bem da verdade, que minha mãe gostava de ser dona de casa. Além de cozinhar e fazer o bolo mármore dos domingos, sem falar no franguinho assado, a farofa de ovo e a macarronada,  pintava  as paredes de casa e até fazia bancos para a cozinha.  Gostava de trabalhar. Mas chegou um dia que não achei um pão na cozinha pra comer. Chegara em casa à noite, morto de fome. Mamãe já dormia e, claro, reclamei com papai. – Papai, não tem comida em casa. Mamãe não cozinhou hoje, o que houve? Papai, lendo o jornal, calmamente, na sala, responde: - “sua mãe não quer fazer mais nada em casa”. E a partir daquele dia, mamãe realmente nunca mais fez nada em casa. Cansou de trabalhar.
                  Nem sei por que contei este cotidiano de minha casa. São lembranças que  aparecem  sem mais sem menos em nossa mente.
                  Ah! Já sei.  É que li antiga crônica do Nelson Rodrigues dizendo que no tempo dele de criança, o pobre pedia como esmola um pão.  Está aí a ligação do pão do Nelson com o  pão que  não achei na minha  casa. E a mãe do Nelson até guardava  alguns pães para esses pedidos. O pobre saía agradecidíssimo. E o que acontece hoje?  Se o leitor der um pão para um pobre, receberá de volta esse mesmo pão na cara. Receberá uma surra de pão. Hoje, os ladrões roubam o supérfluo, dizia o Nelson.  Tênis da moda, celulares, carros,  joías etc etc.
                  Por essas conexões misteriosas do pensamento, além de lembrar da rebelião pacífica de minha mãe, acabei me recordando de quando caí de cara no chão cheio de pedras e quebrei três dentes .         Foi numa corrida para ver quem chegava primeiro.  Tinha apenas 09 anos. Um dos meus colegas se chamava Pirro, filho de italianos. Eu estava na frente, quando escorreguei e parti a cara no chão, literalmente.  O lábio inferior se abriu e o sangue jorrou abundantemente. A boca inchou e fiquei parecendo um índio botocudo. Os colegas, querendo me animar, diziam: - você ganhou a corrida, você ganhou!”  Hoje, acho muita graça no episódio, pois soube que houve na antiguidade um general chamado Pirro. De certa feita, ele ganhou uma guerra contra os romanos, mas seu exército ficou tão dizimado quanto o dos romanos. E seus companheiros o felicitavam também, dizendo: - “você ganhou, você ganhou”. E o nosso Pirro respondia: - “outra vitória igual a essa e eu estarei  arruinado” .  Felizmente, não ganhei mais nenhuma corrida e ainda estou vivo para contar minhas lembranças proustianas.
                  
Gdantas
Enviado por Gdantas em 05/05/2015
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