A melhor idade
Fiz sessenta anos recentemente. Feliz por chegar até aqui, saudável, disposta ainda a enfrentar muita coisa na vida. Sem medo da velhice que vem atrevida, bater à minha porta. Chegou rápida demais, nem me deu tempo de viver muita coisa que eu deixei pra depois, para quando tivesse tempo. E o tempo passou e eu não o tive. E porque não tive, não vivi e nem viverei muito do que sonhei. Não importa. Esse negócio de viver demais com os olhos voltados para o passado não leva a nada. Vou me concentrar em olhar para o que ainda dá para ser vivido. E curtido. Sem medo de ser feliz, ou se não for, pelo menos tentar. Mas não me venham com essa de que estou entrando para a melhor idade. Esse é um discurso vazio, que não engana quem entra nessa viagem sexagenária. Ao comprarmos esse bilhete, adquirimos tudo aquilo que o tempo por direito nos destina: o desgaste natural da vida. Queiramos ou não, nosso corpo começa a sentir os trancos do caminho. Dos solavancos que tivemos, dos avisos que não lemos, aquelas placas lá no caminho sinalizando os limites, as proibições e o rumo que nem sempre seguimos. Viver é uma viagem de mão única, onde não é permitido passar duas vezes no mesmo lugar. Não tem volta no percurso. Na infância, somos indiferentes ao futuro que nos espera. Nossos sonhos de criança têm o alcance do que a nossas mãos podem tocar, daquilo que a nossa vontade embala. A alegria de um presente, o abraço de um pai, o aconchego de uma mãe, uma noite de natal. Momentos mágicos da infância. Na juventude, somos desafiadores do futuro. Nada nos amedronta, somos do tamanho do mundo, queremos abraçar o inatingível com os nossos braços. Nossos olhos sâo voltados para os mitos. E como sofremos com nossos medos e nossas fraquezas, por querermos ser o que não podemos, ou por vivermos o que não devemos, nessa fase em que não conseguimos entender o mundo e nem nos fazermos entender por nem por ninguém. Mas sobrevivemos!... Depois acertamos o passo, ajeitamos a vida e amadurecemos. Achamos alguém pelo caminho e nos descobrimos metade nele, nos completamos, ou pensamos que nos completamos e juntos, construímos uma vida, família, tudo que a gente sonhou que podia. E às vezes podemos, às vezes dá certo. E quando não, como sofremos! Mas ainda somos jovens, e sorrimos com o sorriso dos nossos filhos que chegam, compramos seus sonhos, sonhamos juntos, abrimos mãos dos nossos e passamos a viver em função dos deles. E voltamos a viver tudo novamente, felizes muitas vezes por vê-los conseguir muito mais do que sonhamos para nós mesmos. E de repente, a história se repete, e lá estão eles encontrando alguém pelo caminho, também descobrindo suas metades e se completando um no outro. E da nossa família, nasce outra que se agarra aos sonhos que um dia sonhamos também. E chegam os netos, ficamos bobos, achamos que os nossos são os mais lindos do mundo, os mais vivos e inteligentes que existem no pedaço. E quando ficamos sozinhos, é hora de voltarmos para dentro de nós mesmos. E só então vemos que o nosso prazo está se esgotando. A missão está ficando curta, nossos joelhos estão ficando fracos, a vista já não alcança o papel, as mãos já não são tão firmes com a caneta em punho. De vez em quando uma chama acesa esquecida no fogão, uma torneira aberta alagando o jardim, o desespero por não lembrar onde guardamos aquilo que precisamos na hora. Sinal dos tempos. Acontece com todo mundo, não existe exceção. O que pode fazer a diferença é encarar essa fase, que infelizmente é a última, com esportiva e naturalidade. Ainda assim podemos ser felizes. É ilógico ficar deprimido ou revoltado com algo tão natural como a velhice. Por mais que a aparência engane, no fundo ela está lá, cronometrando nossos minutos. Então, não tem porque ser a melhor idade. No máximo, podemos dizer que é o nosso melhor jeito de encarar essa idade. Sem máscaras, sem medo, sem culpas. Simplesmente vivendo nossos dias como se fosse o último. Até que realmente seja. Sem medo de ser feliz, sem tempo de ser infeliz...