COM APENAS UM PALITO DE DENTES

Eram vários os convidados do grupo que encenara a peça teatral. Acomodaram-se na enorme mesa do restaurante para festejar a estreia.

Ele que tentava conquistá-la já havia tempo, demorou-se examinando o cardápio até que solicitou ao garçom, em seu timbre naturalmente ostentoso, um Château Ausone. Sentado ao lado dela um rapaz pediu de imediato um refrigerante e a fitou com um expressivo olhar de “vem cá meu bem” e ao acompanhante de “sai pra lá seu trem”. Este sequer percebeu já preocupado em escolher o prato para acompanhar o fino vinho.

O moço pegou um palito de dentes e com destreza fez uma caricatura na toalha de papel vegetal que tradicionalmente recobriam as mesas. Percebendo que conseguira a atenção dela, lhe desafiou a fazer o mesmo.

Ela não acreditava naquela doce ousadia. Ele tinha um rosto de anjo que exalava a mais simples alegria e era uma janela aberta para a alma, irresistível de não ser transposta, pois o mostrava autêntico, leve, descomplicado. Além do mais, não era do seu feitio recusar um desafio.

Em pouco tempo não havia mais espaço liso na toalha, mas uma enorme extensão de risadas em etérea sintonia. A voz do acompanhante puxou-a de volta para a terra, dizendo que experimentasse o vinho.

Difícil explicar ao certo o que acontecera ali, uma destas coisas incompreensíveis que sem motivo explodem, um tropeço na própria sombra, paixão, amor ou talvez magia. Do vinho caríssimo ela não se lembra mas, o refrigerante estava sublime e o palito de dentes guarda como joia rara até hoje.