TUDO É VAIDADE
TUDO É VAIDADE
Eu bem que suspeitei que algo estivesse diferente. Que tolice, pensei eu com meus botões, você e sua mania de fantasiar coisas. Nessas horas, nada melhor que dar um tempo. Que tal divagar pelo mundo da fantasia? Pelo mundo do faz de conta que tanto você adora? Uma vozinha dizia ao meu ouvido – imaginei ser o meu lado bom, aquele anjinho vestido de candura com asas plumadas, alvas como a neve, me aconselhando. Deitei a cabeça no travesseiro. Nada dos meus pensamentos alçarem vôo. Eles continuavam inertes, frios e desolados. Acho que andavam meio escabreados. Fiz força para concentrar-me, pensei em recitar um mantra, lembrei que não sou budista. O máximo que eu conseguia pensar era na fatura do cartão de crédito e na grana curta que teimava em não me acompanhar até o final do mês.
Pronto, havia tomado uma decisão. Ir ao cinema assistir a estréia do filme Os Vingadores 2 - Era de Ultron. Eu precisava da injeção de ânimo, da esperança e determinação dos meus super heróis. Precisava da companhia de velhos amigos. Dos caras que sempre estavam lá, nos momentos de grandes dificuldades, nos socorrendo e nos salvando das maldades do mundo. Lembro-me da primeira frase que minha boca falou, num vozeirão, ao começar o filme:
- Thor é lindo! Disse eu, derretida em suspiros. (saiu sem que eu percebesse, juro!)
Animei-me. Thor estava bem na minha frente, morto de lindo. Tive a certeza que ele me olhava, ou melhor, me flertava. Tudo bem que o filme era em 3D, mas não custava nada sonhar, afinal era para isso que eu estava lá. Meus sonhos começavam a dar sinais de vida. Como em toda história de super heróis, os mocinhos lutam contra os famigerados seres do mal. E sempre ganham no final. O bem sempre vence o mal. O bem é incorruptível e não sofre conflitos de personalidade – pelo menos em tese. No final tudo fica bem e o bem triunfa sobre o mal.
Por essa eu não esperava, tinha que aparecer o homem de ferro com todo seu discurso de um mundo perfeito. Ele surtou. Criou um programa de computador irreprovável, exato e sem perigo de falhas, que pudesse exterminar o mal de vez. O robô, de tão perfeito, já nasceu odiando seu mentor – reles mortal, diga-se. A máquina protestou, em cenas que me fez repensar a vida, sobre a índole de quem prega o bem se utilizando das guerras e tragédias. Quem delas faz uso, justificando o bem comum. Refletiu ainda, o senhor cibernético, sobre os nossos super heróis, humanos e falhos. Cheios de defeitos e medos, metendo os pés pelas mãos, mesmo quando o intuito é fazer o bem, distorcendo a realidade em desatino as idéias de desenvolvimento e englobamento social para todos. Principalmente quando não há diálogo, interação e consenso entre as partes interessadas. Lembrei de uma série do Café Filosófico, na TV Cultura, com o tema Vaidade - Orgulho nosso de cada dia, com Leandro Karnal. “O EU em detrimento de NÓS”
Saí do filme pior do que havia entrado. Descobri que havia vencido etapas da minha caminhada. Que obstáculos do pensar havia se rompido, abrindo novas estradas. Estava nítido que eu começava a enxergar o mundo com os olhos dos adultos. Que as travessuras de Emília, do Sítio do Pica-pau Amarelo, que pensei ter um dia vivido, não passavam de histórias da carochinha. Tudo criação do meu orgulho, das minhas vontades, no intuito de satisfazer o meu ego. Saí do filme desiludida. Acho que encontrei a palavra certa: Desilusão! Dei-me conta que enxergar a realidade nua e crua nos torna mais forte, indestrutíveis. Menos vulneráveis, talvez. Que, termos consciência dos nossos atos, sermos responsáveis e sabermos discernir entre o que é certo e errado, o que podemos ou não fazer, é um bom caminho a se pensar em seguir.
Mesmo que todos estes questionamentos tenham nos acompanhado desde os nossos primeiros entendimentos sobre o que é viver, o que aqui estamos a fazer e o que queremos. Mesmo que, por diversas vezes tenhamos criado teorias que não vingaram. Deveremos, sem sombra de dúvidas, insistirmos na elaboração de novas possibilidades, dosando com discernimento o que nos acrescenta e o que nos diminui, tomando decisões, criando rotinas de compreensão e alargando os caminhos dos acertos. Aproveitando, sem máscaras nem invólucros que nos tapem os olhos nem a razão, o viver, com o desejo de encontrar a felicidade, sem reflexos negativos aos que estão a nossa volta.
Lembremos: “Tudo é vaidade” Eclesiastes - 1:2
Flávia Arruda 04.05.15