Entre bo...lachas e bo...chechas

 

Como é que se pode medir a religiosidade de um povo? Vi-me confrontado com essa indagação interior ao longo de todo o lustro que vivi em Varsóvia, capital da Polônia, justamente no período em que a resistência ao comunismo, baseada no movimento sindical avançava lenta mas inexoravelmente para derrubar a filosofia de glorificação do Estado. 

Devo, contudo, confessar que muito raramente visitei igrejas em busca de resposta à minha inquietação. Mas sabia que elas eram bem frequentadas, sobretudo na época em que o cerco repressor apertava. Demais, com o primeiro papa polonês na história houve como se fosse um renascer da fé, da esperança. E as visitas de João Paulo II à terra natal testemunharam isso, apesar do natural boicote dos meios noticiosos, controlados com mão de ferro pelo Estado.

Mas se não queriam mostrar, tampouco dava para esconder tudo. Escamoteavam. Em pelo menos uma dessas visitas, estava eu lá, foi em 83 e deu pra sentir o pulso do anseio de libertação daquela gente. Ruas intransitáveis, um movimento digno de um superstar.

Coincidentemente esteve por lá pouco depois a Lucélia Santos na cola de seu estrondoso sucesso como Escrava Isaura. Praticamente, escravizou o olhar daquela gente tão avançada na sua crença de modernidade e ao mesmo tempo tão carente de coisas novas. Basta dizer que quando se importavam barras de chocolate, as filas para a compra de duas barrinhas eram quilométricas. Uma barra. Pode-se deduzir daí onde nasceu, ou ao menos vicejou aquela anedota que diz que o chocolate é melhor que o sexo.

Mas a bem da verdade, pela minha ótica míope que seja, a Lucélia empatou com o Papa em termos de publicidade e de excitação das massas. Deve-se assinalar contudo que o Papa já estava em segunda visita em 83 e que manteve os seus recatados hábitos de clausura. Já a

Lucélia esbanjava com calculado pudor todo o seu frescor. 

Fiz essa introdução tão longa, mas o que eu queria era chegar à praia. Do ri, o que cruza a cidade dividindo-a ao meio, o milenar Vístula. Não parece ser mais caudaloso do que o nosso Pará, ou o Itapecerica, vá lá, mas escandalosamente mais histórico, e às vezes histérico, quando suas águas depois de se converterem em um canal de patinação nos meses de rigorosíssimo inverno se vão-se descongelando e aí é aquele inferno: blocos de gelo ameaçam romper pontes, provocar inundações e outras geladas confusões. 

Mas vamos ao verão que é curto e bem curtido com seu calorão desabrido: pois é, depois de um almoço regado a muito Mateus Rosé, lá no Klub Brityskie (nao confundir com Britney Spears), saí com minha filha, de dois anos e pouco, pra dar uma caminhada, circundando o

clube e ganhando a margem do Vístula, já nos arrabaldes da cidade.  

Ainda que luxuriante a vegetação para os padrões europeus, caminhar pelo mato por lá não requer muito requebro já que pouco cipoal ou espinhos há. A única planta com jeito de pouco amiga é a famosa e impaciente urtiga: basta nela tocar para o corpo se empolar. Mas há como evitar, sobretudo, depois de umas boas ferroadas levar. E até é medicinal a tal. 

Mal tinha andado um quilômetro, dou-me num descampado, bem à margem do rio, com areais brancos, o rio manso, baixinho, dava vau e convidava a um mergulho, ou qualquer outro arrulho. Mas só não contava, com a cena que se descortinava, bem diante de meus olhos,

incrédulos: mais corpos nus do que no carnaval carioca, com a diferença de que não se ouviam cuícas e muito menos se viam cuecas: as mulatas haviam virado suecas. 

Onde botar a cara? Principalmente depois que minha filha, espontaneamente, vendo nua a gente, logo jogou pros ares suas roupinhas, ou as deixou nas mãos minhas. Bem pelo menos

alguma ocupação praquelas extremidades. Mas o que o respeito àquela gente impunha, fui logo deixando de mumunha e quase de sopetão me deixo também feito Adão.  

E em meio aquele paraíso, há que se ter muito siso, pois tudo se pode ver, mas um simples olhar pode comprometer. E fazer o anonimato, ali em meio ao mato, de repente se perder.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 02/05/2015
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