MEMÓRIAS DE UMA EXPERIÊNCIA ...

Aproxima-se um vulto dizendo-me coisas ao pé do ouvido. Não faz mal ter medo, assegura-me o vulto. Não faz mal ter gritos enormes a romperem o silêncio.

Decido dar um passeio por dentro de mim, para ter a certeza de que está tudo bem comigo. Lá dentro, a noite está cheia de nuvens negras. Grandes pingos de chuva gelada caem ao meu redor. Em meu interior, uma crescente inquietude aumenta meu estado de entumecimento profundo. Aos poucos, a noite fica silenciosa e serena, apesar da turbulência atmosférica. Repentinamente, sem compreender ao certo, percebo uma beleza transcedental vinda da escuridão. Trata-se de meu coração, batendo compulsivamente em mim. É difícil passear por sua superfície lustrosa e gelada. Mas a medida que eu ando, sinto-me atraída por raios negros vindos de uma luz traiçoeira. Escuras linhas ondulantes se estendem em formas grotescas e sinuosas, que são parcialmente cobertas por sangue.

Me arrepio tocando as negras e irregulares silhuetas de meus órgãos.

É escuro aqui dentro! Desejo que toda a luz do mundo penetre em mim, para poder me observar melhor. Assusto-me com meus contornos. Como são fortes minhas fibras e raízes interiores! E como é pequeno o meu coração! Muito menor que minha dor! Como cabe todo o sentimento que trago, aí dentro?

Imediantamente congelo-me, mas ao mesmo tempo, percebo algo do meu lado externo, em contato com meus dedos.

Volto...

Foi um momento de comunhão e compreensão - um sentimento de paz.

Percebo meus batimentos aumentarem e descubro em mim uma nova capacidade de força e paciência, para enfrentar diretamente os conflitos que surgem ao meu redor.

Acalmo baixinho o meu coração - pssiiu!!

Compreendo enfim que de uma experiência solitária, pode surgir um encontro verdadeiro com nosso interior, com nossas células e raízes, e principalmente, com todas as coisas que cultivamos dentro de nós e que precisam ser extirpadas.

Possibilidades para esses reconhecimentos íntimos, existem para muitas pessoas. Enfrentar com serenidade e otimismo é o único modo de se viver bem.

O vulto me diz que ainda há muito o que conquistar lá fora. Amanhã, disse ele, o dia clareia mais cedo.

02/06/07

MIRAH
Enviado por MIRAH em 11/06/2007
Reeditado em 27/06/2009
Código do texto: T522569