Foi quando já estava me preparando para a chegada da velhice que ouvi pela primeira vez falar do tal de Alzheimer. Já foi um trabalho danado aceitar o fato de que um dia precisamos ficar velhos. Agora, alguém chegar e dizer que, além de tudo, podemos nos esquecer de tudo? O competente doutor, que deu o nome à doença, podia ter ficado quietinho e deixar os velhinhos tranquilos. Imagino que ele quis que seus sucessores conseguissem, talvez, uma cura para o mal. Até agora, infelizmente, nada.
Por isso, estou pensando em combinar algo com minha amada. Que tal fazermos pequenos bilhetes dizendo “Eu te amo”, “Você me ama”, “Nós nos amamos”? Pendurá-los em lugares estratégicos da casa, para incitar nosso cérebro, no caso da vil enfermidade nos atacar? Espalhar por todo canto, lindas fotos dos dias maravilhosos que passamos juntos? Fotos dos nossos amados, da família? Quem sabe “cutucar” os dorminhocos neurônios para que eles liberem as lindas memórias? O fato é que não suporto a ideia de olhar para uma pessoa que amo e não conhecê-la.
Não sei não se isso vai funcionar. Parece que as sinapses de nossa cabeça entram numa espécie de “curto” e tudo se apaga. Eu nunca fui bom em eletricidade, isto vai ser um problema.
Se for mesmo, como dizem, um “branco” memorável (que ironia: memorável), um enorme vazio, que poderemos fazer?
Talvez eu possa, dentro dessa bolha de esquecimento, criar novas memórias. A partir de um sorriso de minha amada. Quem sabe, ela também se lembre de meu primeiro beijo? Ou se mesmo isso não for possível, talvez comecemos do zero. Quem impedirá nossos espíritos de, novamente, se apaixonarem? Eles certamente não têm sinapses ou eletricidade. Funcionam à base de um plasma divino, metafísico, que o grande médico ainda não conhecia. É isso que eu espero, antes de não mais poder nem mesmo esperar...
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A crônica acima não faz parte do livro abaixo
Essa vida da gente
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