Primeiros contatos com o Brasil.
Quando descemos do navio que vinha da "Espanha", nos encontrando novamente com o meu pai , depois de passado um ano, e agora não mais por fotos ou cartões postais, foi de uma enorme alegria, já não importava aonde estavamos, pois ter o pai e a mãe ao lado duplicava a proteção que voltávamos a sentir. Eu estava com quase oito anos, faltavam dois meses para completá-los, e o meu irmão um ano e pouco à mais.
Um carro nos levou de "Santos" para uma pensão no bairro do Ipiranga, e a colônia de espanhóis que lá se concentrava nos recebeu de braços abertos, pessoas que por anos mantiveram contato conosco, e me lembro bem o burburinho e as risadas à mesa, durante as refeições, numa mesa enorme, onde todos falavam ,e também cantavam antigas canções que juntavam vozes sem licenças, pois pertenciam a todos. Ainda se falava muito dos anos duros da guerra, e as histórias eram ricas de emoção, pois haviam alguns ex-combatentes à mesa, e tudo aquilo fazia parte do meu povo, agora em outro continente. O pão e água tinham sabor diferente , e notamos a diferença logo de início, mas nenhum problema , e seguimos a refeição, com as comidas típicas que eram servidas, o vinho para os adultos, e refrescos para nós.
Essa pensão acolhera o meu pai, e agora a nós, porém por alguns dias apenas, pois não havia nada além do que um dormitório , que era onde o meu pai havia ficado todo aquele tempo, enquanto procurava colocação, e poder nos chamar. Ficamos muito mal acomodados, meu irmão e eu dividimos duas poltronas juntas de frente uma da outra, e dormimos em posições invertidas, mas eu nunca reclamava , não tinha esse hábito, já sentia que os meus pais tinham outras prioridades.
Chegou o dia de sairmos da pensão, e rumamos para a Vila Piauí, na região da Lapa, e a vila estava se iniciando, uma casa alí e outra acolá, ruas barrentas, e muito mato para todos os lados, chácaras e poucos recursos urbanos, como luz na rua, esgotos, e a maioria das casas ainda tinha poço,inclusive a nossa, que uma bomba levava até a caixa. O tipo de casa era diferente , forros de madeira, jardins na frente, cerca de pau cercando o terreno, banheiro fora, e tramelas nas portas e janelas, a chave só na hora de dormir. No fundo um quintal de mato , com bom fundo até uma chácara que fazia divisa, cujos donos nos cediam alguns frutos para mostrar as boas vindas. Dentro , só Deus sabe...quase nada , uma pequena mesa e cadeiras, muito simples e um fogão barato, um sofá , onde novamente tivemos que dormir invertidos, e dessa vez por muito mais tempo, e um quarto a parte onde os meus pais podiam se entender, o que nem sempre acontecia, pois o choro da minha mãe passou a ser constante, assim como as discussões, acho que haviam muitas acusações que não entendíamos .
A primeira refeição à sos com eles foi estranha, pois o meu pai nos olhava muito, e era um homem de poucas palavras, e estava claro que estar com a mulher e os filhos era bom para ele, e nos ficamos encabulados, e tivemos um acesso de riso incontrolável, e por pouco não perdeu a paciência, mas se conteve. Não tínhamos pratos, e comemos nas tampas que fechavam as bocas do fogão, e nunca me esqueci disso, ficou gravado, foi nesse instante que senti a mudança brusca, e olhei tudo a minha volta, e também para eles.
No dia seguinte fui para a porta da rua e vi uns meninos jogando bola naquele chão de terra, descalços ou de chinelos, e me fizeram um sinal para que jogasse com eles, sem ao menos saber quem eu era, mas fui, e me aceitaram de cara, acho que criança se vira bem melhor, e esse primeiro contato foi realmente um cartão de visitas, pois nunca senti descriminação na infância, e sou grato até hoje.
Aqui narrei mais um pedacinho da minha história, um capítulo talvez, mas não sigo ordens cronológicas, quem sabe um dia junte os pedaços e faça algo melhor, mas sei que os acontecimentos que regeram a vida dos meus pais, nos levaram a ter uma vida dura em alguns momentos , mas rica de fatos , desde o seu começo.