Política sem políticos e políticos sem política
Há "políticos" e políticos. Políticos e políticas, com ou sem política. Do berço à maturidade e até o fim da vida política, presenciamos atos nobres e outros nem mesmo à altura da dignidade e do comprometimento mínimo que o homem, em sua virtude, poderia fazer.
Alguns dizem para mim que a política é a mola propulsora para a transformação da sociedade. Outros disseram para mim que a política é a arte da negociação. Outros, céticos, afirmam categoricamente que a política é o meio (senão, para fins escusos e ilegais) para obter prestígio e ascensão social e econômica.
Em meio as afirmações de Maquiavel (na máxima de que "os fins justificam os meios") ou o velho dito universal de que "a política é útil para zelar o bem-comum", vi, neste último final de semana, em Nova Friburgo, alguns itens interessantes que, de certa forma, corroboraram com tudo o que ouvi até hoje sobre política. Presenciei, em loco, tudo quanto pude aprovar ou condenar. Inclusive, tudo o que retive e daquilo que ouvi e pratiquei, no que foi altruístico e benéfico. Ou as práticas que nunca compactuei, mas que sempre as vi.
Embora certas coisas possam ser triviais ou até que certas verdades sejam "óbvias", raras vezes paramos para observar e ver o grau e a extensão dos acontecimentos. E, talvez, por conta disso, que resolvi compor esse arremedo de crônica, em consideração às minhas memórias e percepções individuais; à margem da visão opiniática e idiossincrática de gente acrítica ou de um criticismo fanfarrônico e refém de si mesmo e do mundo à sua volta.
Muitas coisas percebi. Dentre elas, o cálculo político pragmático, as "corruptelas" juvenis, a insuflação de claques mal-organizadas e o esvaziamento político-ideológico de determinados jovens que se aspiravam como "lideranças estudantis". Fatos, enfim, que pude presenciar no XIII Congresso da União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro. Lá, eu pude conferir de tudo: entre altruístas e picaretas; ingênuos e maquiavélicos; sectários dogmatistas e gente sensata. Um dualismo de rir e de chorar, em uma entidade que, de longe, sequer representou na totalidade a minoria do segmento elitista universitário. Em suma, com a triste constatação, a "elite da elite"...
Particularmente, sempre me regi, mesmo nas negociações políticas, nos meus tempos de movimento estudantil, nos primados político-ideológicos. Se é uma das coisas que posso me orgulhar é que em momento nenhum feri as minhas concepções, me promiscuindo ideologicamente e manipulando a mente de estudantes e estudantes em discursos vazios - carentes de qualquer plausibilidade política -, em torno de alianças que nada tivessem relacionadas à minha concepção de vida, de mundo, de sociedade, de universidade e país.
Com toda a minha maturidade (diferente da associação de maturidade com o "pragmatismo"), não deixei de presenciar cenas bizarras e, ao mesmo tempo lindas, por conta do grau de crença (por vezes cega e acrítica!) de determinadas pessoas em relação a um grupo político, com um conjunto de idéias professadas. Gestos, discursos e práticas que, por vezes, fazia questão de observar nitidamente e parar de agir em outros afazeres.
Gente que, volta e meia, decidindo o voto de dezenas e dezenas de delegados (sem consultar em opinião prévia os demais), interferia nos rumos políticos de seus respectivos grupos, em um grau microcósmico da negociata política fugaz, sem brilho e que desde cedo reproduz à prática nem sempre ortodoxa da classe política brasileira.
A disputa política salutar, por meio do embate direto, é útil e, se não é perfeita, pelo menos suprime parte do aspecto espúrio político, privilegiando (ainda que minimamente, mesmo que no "faz de conta"), o voto dos eleitores, ao oferecer seu plano político, de continuidade ou de transformação, parcial ou extrema.
Foi o que eu vi nesse Congresso, não diferente do Congresso Nacional, em Brasília. Não tão distante dos "mensalinhos" e das distribuições de ministérios (ou "cargos" na Executiva da entidade em disputa), em negociações que, inclusive, parte dos "caciques" sequer tem o espaço de opinar ou divergir (ainda que nem sejam ouvidos, mas que tenham conhecimento daquilo que será feito) e que os militantes e eleitores desconhecem, em sua profundidade.
Vi, por outro lado, dirigentes sérios e comprometidos com a sua visão altruísta de mundo (embora minoria). Vi "líderes" inexperientes, inexpressivos e despreparados para exercer, em tese, cargos de envergadura na UEE-RJ, escolhidos tão somente a dedo pela subserviência à sua cúpula partidária. Vi gente manipulando crachás, com delegados fantasmas. Vi de tudo, enfim. Vi os cálculos políticos, suplantando inclusive o caráter político e ideológico mínimo de uma aliança construída, por conta de um congresso corrido e mal debatido, em torno de temas que, por conta do desinteresse ou do despreparo, foram esvaziados, sem um debate rico e coerente.
Enfim, eu me vi em meio àquele balaio de gatos, sabendo o que fazer, mas sem ter como fazer. Era (e fui) um lambari em meio a outros lambaris controlados por tubarões e tubarões, sem estrutura suficiente para envergar o corpo de tubarão. Eram, para mim, em sua considerável parte, como "lambaris" fartos e agigantados, controlando os lambaris de diversos conteúdos... alguns frágeis, outros ingênuos; ainda alguns "radicalóides" inconseqüentes e outros manipuláveis.
Entre o "nacional-desenvolvimentismo" do governo "democrático-popular", a repulsa "antigarotista" barata de recalcados e recalcadas, o demagogismo da "unidade estudantil", as "boiadas" dos grupos políticos e os cânticos roucos das claques, se deu o Congresso. Sabedor disso, ao menos, pensei que o embate ideológico seria um pouco maior. Mas ouvi as intervenções de pessoas e pessoas que eram de doer, nos grupos de discussão (GD's) e palestras. Gente fraca. Sem discurso, sem proposição e sem qualquer visão crítica.
São esses que querem, em breve prazo, mudar os rumos do nosso Brasil? Quem te viu, quem te vê...
Creio eu que o próximo presidente da UEE-RJ terá uma das tarefas difíceis para trabalhar, se quiser uma entidade agregadora e representativa. Acredito particularmente na competência pessoal dele e na capacidade voluntarista em dar qualidade à política estudantil do Rio de Janeiro, sem os vícios que acometem cada uma das forças políticas e que são reproduzidas a nível nacional.
Reproduzindo-se, infelizmente, aos outros movimentos sociais (comunitário, sindical, movimento negro, feminino, etc) e às disputas macropolíticas, não vejo uma perspectiva alvissareira. Embora seja um otimista incurável, torna-se indisfarçável reconhecer a gravidade da crise política, refletindo-se, inclusive, nas práticas políticas de gente que ainda precisa aprender o significado maior e com amplitude daquilo que é fazer e praticar diariamente política, como o exercício útil de construção de uma sociedade mais justa e eqüânime.
Não sei o que posso mais dizer, em um esboço mal elaborado de crônica. Não sei mesmo. Entre o sentimento de resignação e de estarrecimento, mesclado a uma esperança descrente, de quem não crê tão cedo na fusão entre o ideologismo e o pragmatismo, resta a mim a confiança absoluta no transcendente, naquilo que Deus ainda pode proporcionar ao homem, por meio da justiça, do amor, da intolerância com o desigual e em um mundo mais fraterno.
Embora não caiba o "sentimentalismo" na política, pode, entretanto, caber nela o sentimento de "altruísmo" e de pertencimento à sociedade, numa tarefa sacerdotal, no exercício da abnegação pessoal em interesse de uma sociedade mais justa, acima de práticas e discursos esvaziados ou mal-elaborados.
Em suma: uma ação política transformadora, onde pessoas são vistas como pessoas e não como números sem sentido. Pessoas ávidas por vida, esperança e sonhos.
Que, efetivamente, façamos a verdadeira transformação política!
Fazer A POLÍTICA e não "política" de gente sem política.