T R A P I N H O S

Ele foi curto e grosso: "Junte todos os seus paninhos de bunda, seus trapinhos, não leve nada que lhe dei, e dê o pira. Imediatamente!".

Ela, triste, de cabeça baixa, arrumou seus trapinhos na pequena malinha que trouxera quando viera de sua cidadezinha. Não chorou e nem pediu perdão. Aceitou a decisão dele, afinal pisara na bola, traíra o sujeito com um malandro sem eira e nem beira. Fora fraca, estava até agradecida por ele não ter sido violento. Sabia que ele jamais a perdoaria, era um homem de palavra, não queria vê-la mais nem pintada de ouro. Era mesmo fim de caso.

Não disse adeus, apenas saiu cabisbaixa e com a malinha na mão. Quando chegou na calçada, lembrou de uma música que gostava de cantar num barzinho de sua cidade, onde ele a tinha conhecido e amado à primeira vista: "Junte tudo que é seu, seu amor, seus trapinhos, e saia do meu caminho". Dos olhos rolavam lágrimas. Mass continuou andando, limpou o rosto no casaco. Fazero o quê?

Chegou à Rodoviária. Deu graças a Deus por ter guardado algum dinheiro, dado por ele. Comprou a passagem, eficou esperando o ônibus, fumou um cigarro, ficou olhando a fama do Hollywood e pensando na vida, sem mágoa, sem nem muita tristeza, quase conformada, não podia reverter o quadro, era algo definitivo. E culpa sua, mas nao adiantava chorar o leite derramado. O ônibus chegou,ela entrou, botou a malinha com os trapinhos no bagageiro, e sentou-se numa cadeira de janela. O ônibus partiu, ela ficou olhando pela janela, a paisagem, casas, depois o verde do mato, sentindo o ventinho bater de leve no seu rosto, seu pensamento ia e vinha, iria sentir falta das boas coisas da vida, imaginou ter que voltar para a vidinha difícil na sua cidadezinha, num quartinho na casa dos pais, pobres que nem Jó. Pensou com pena no desespero dele quando soubera de sua pisada na bola. O cara chorara paca indignado. Gostava mesmo dela. E a tratara como rainha, era tão bom que ela enjoou e se rendeu à lábia de um malandro, a uma aventura, era da sua natureza gostar de algo diferente, não era, riu, mulher de comer num rato só, quem comia num prato só era tuberculoso. Estava absorta com seus pensamentos quando, de repente, alguém se levantou e sentou-se ao seu lado. Era um sujeito que sempre a acompanhava ao volâo nas noites de seresta no barzinho da sua cidadezinha. Foi uma festa, começaram a conversar alegres, relembrando as noitadas, ele alisou os cabelos dela revoltos por causa do vento, ela gostou, ficaram juntinhos, aconteceu um clima, um vala a pena ver de novo, um repeteco. Riram juntinhos. Vida que segue.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 27/04/2015
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