Janela

Num sábado de chuva. Mais um sábado à noite chuvoso. Alguns pensam que a noite se perde, e que nada se aproveita. Eu não penso assim. Porque depois que as gotas escorrem pelos vidros parece que as vontades tempestuosas se acalmam. Os vidros embaçados, neblinando a visão, deixam as coisas mais bonitas. O que se passa por trás do suor das janelas? Só minha imaginação pode dizer, e com bem pouca certeza. Gosto assim. Não saber das coisas, (ou não saber de nada), na verdade me dá possibilidades pra saber de tudo! E isso me inspira. A chuva me inspira.

As gotas vão molhando meus cabelos e ombros e percebo que posso sentir frio. Os braços vão molhando. As mãos encolhendo pra nem sei onde. A bolsa se apertando ao corpo. E o jeans molhado nas pernas me deixa com vontade de estar em casa...

Ninguém escolhe sapatos pensando no tempo! Isso é um erro, percebo agora. "A moda sempre volta", dizem. E por isso guardei tanto tempo essas sandálias. Mas, por mais que eu goste delas, os pés molhados fora de hora incomodam. Mesmo assim, a chuva não derruba minhas expectativas.

É quando percebo aquela música. A minha. Aquela. Que deixa o corpo na espera de algo que se sabe que nunca virá. Mas, quem sabe? Depois que a chuva começou, eu deixei de saber das coisas. Senhor Gandhi: sou uma xícara vazia, como me aconselhou a ser!

Passos mais ligeiros pra que o som não escape. Ah, é a letra que diz tudo, mesmo que eu não entenda nada que ela quer dizer. E porque eu gosto tanto dela, ela acaba. Só lembrança. E a noite chuvosa faz bastante sentido depois que o coração bate mais forte, depois que se entende a necessidade dos pingos na janela e da visão turva.

Depois da canção, o cheiro que combina com a minha fome. A melancolia até resiste. Mas penso que é melhor deixar pra lá... A chuva enche minha xícara de novo (foi mal Gandhi).

E o que acontece depois é o que rola depois de um sábado solo: o domingo em que o sol vem pra secar as janelas. Meus olhos vêem de novo.