O PASTOR
Por: Anderson Du Valle
Ontem recebi a visita de um Sr. Pastor que acompanhado de sua primeira dama, apresentou-se como titular e presidente da Comissão Regional da Moral de um determinado segmento religioso. Ele esteve em nosso atelier para que se confeccionasse um traje muito fino, em linho, com ‘frufrus’ diversos e ostentação garantida. Tudo bem, minha esposa o atendeu, afinal atender gostos variados e valores variados é um dos trabalhos que nos dispomos a fazer. O pastor foi levado até lá por uma de suas discípulas, cliente costumée e boa pagadora de nossos serviços. Desde o momento em que aquele cidadão entrou, parecia que uma nuvem muito pesada o acompanhava ladeando sua postura arrogante, apesar de misturada a perfume de muito boa qualidade. Falava alto e bem explicado, tinha sempre uma opinião firme e determinada sobre qualquer assunto que o cercava, mesmo que não fosse convidado a intervir, demonstrava segurança ao se dirigir às pessoas, sempre alicerçado por parábolas e citações diversas. Confesso que já o havia descrito, pesado e o considerado insuficiente mesmo antes de começar a falar, mas já que não se dirigia a mim, apenas o observava e sentia aquela comichão na língua a cada uma suas inserções. Seria mais um “sapo engolido”, se ele não fizesse uma observação infeliz e cometesse o erro de pedir a minha opinião. É que no momento passava na TV uma matéria em que os índios de Altamira faziam reivindicações em Belo Monte, daí o “religioso” fez o seguinte comentário: “Tem mais é que expulsar essa “cambada” de lá, onde já se viu índio querer ter direito a alguma coisa, uma raça que não produz nada, só toma cachaça, (virou-se para mim) não é mesmo meu amigo? Putz!! Que alegria! Pensei que ficaria com aquele nó entalado em plena sexta-feira, mas fui impelido a me manifestar.
“Sabe meu amigo, essas pessoas estão lutando para reaver um mínimo da dignidade que lhes foi tirada, hoje eles não tem terras, perderam seus locais sagrados, não foram indenizados e estão engrossando os bolsões de miséria no derredor da hidrelétrica. Eles se prostituem porque não tem opções e porque encontram “civilizados” que se aproveitam da situação, e a cachaça, quem fornece somos nós. Quanto a produzir ou não para o Brasil, não é obrigação deles, aliás, por eles não existiria nem Brasil, eles produzem para o seu sustento, sem ostentação e sem acúmulo de riquezas, ao contrário do que fazem os que deveriam dar exemplo de humildade.”
Bem, o Pastor me fitou como se a um demônio, pegou sua esposa pelo braço, bateu a porta com exagero e não preciso dizer: perdi o freguês!