Abril chegou e abriu...
...abriu o pote de lembranças.
As lembranças se mostram, mas não querem sair porque preferem ficar guardadas ao lado das saudades.
As lembranças e as saudades se retroalimentam, não de expectativas, pois sabem que o passado não volta. Olha-se para o passado através da transparência da memória. A memória é este pote, pote de cristal.
Abril traz o ar outonal repleto de sabores que se come com o coração – sentimentos que nos deixam letárgicos. Letárgicos! Tristes não porque a tristeza domina somente quando se perde completamente – se está guardado no pote da memória é porque ainda vive.
Lembranças e saudades são mágicas que suscitam aquilo que foi bom e se foi bom não há espaço para a tristeza se instalar. Por isto só letárgico: aquele estado de mastigação lenta para se aproveitar todo o prazer do gosto. Estas coisas são comidas com o coração
***
Abril traz o gosto do frio do Jubileu, festejos que se associam a outras recordações. Recorre-se a vários momentos do coração. Coração que guarda para degustar depois. Mastigam-se dois momentos específicos que com guardanapos são pinçados e levados à boca – abre-se o coração:
O menino dormia sereno na cama do casal. Nada o incomodava. Nem a luz que lhe chegava pela metade. O pai aproveitava a claridade inteira da luminária sobre a mesa fazendo escrituração. A atividade de escrever era interrompida pelo suspiro que o olhar fazia procurar a cria ali deitada e em vez de versos eram expressos solilóquios: “Que responsabilidade! Tenho que educar, e proteger e assegurar o futuro desta criança que em minha cama dorme.”
O abril daquela época trazia esta preocupação junto com o burburinho da quermesse que chegava naquele quarto. Este petisco trazia sabor inquietante. O gosto agora é de vitória ao ver o homem forte e robusto percorrendo sua própria trajetória e não mais aquele menino indefeso.
A classe estava na escuridão e a porta da sala de aula aberta. Os discentes assistiam ao documentário. O professor aproveitava a compenetração da turma para contemplar o espetáculo que se fazia fora. Avistava-se ao longe o povaréu subindo e descendo a rua da basílica iluminada pelas luzes de barracas e parque. Sobre todos e tudo a lua gigante pairava feito santa como se a festa fosse para ela. Do alto a virgem astral recebia a homenagem. Tudo trazia o gosto de responsabilidade e hoje o sabor de dever cumprido.
***
O pote cristalino é assim. Mostra aquilo que a quermesse de abril abriu. Outras iguarias serão servidas quando o pote da memória for novamente aberto por demais estímulos. Porque a memória é o poema mais íntimo!
Que os meses vindouros tragam outros sabores – lembranças e saudades – para degustarmos com o coração.
Recordação!
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 23/04/2015.
...abriu o pote de lembranças.
As lembranças se mostram, mas não querem sair porque preferem ficar guardadas ao lado das saudades.
As lembranças e as saudades se retroalimentam, não de expectativas, pois sabem que o passado não volta. Olha-se para o passado através da transparência da memória. A memória é este pote, pote de cristal.
Abril traz o ar outonal repleto de sabores que se come com o coração – sentimentos que nos deixam letárgicos. Letárgicos! Tristes não porque a tristeza domina somente quando se perde completamente – se está guardado no pote da memória é porque ainda vive.
Lembranças e saudades são mágicas que suscitam aquilo que foi bom e se foi bom não há espaço para a tristeza se instalar. Por isto só letárgico: aquele estado de mastigação lenta para se aproveitar todo o prazer do gosto. Estas coisas são comidas com o coração
***
Abril traz o gosto do frio do Jubileu, festejos que se associam a outras recordações. Recorre-se a vários momentos do coração. Coração que guarda para degustar depois. Mastigam-se dois momentos específicos que com guardanapos são pinçados e levados à boca – abre-se o coração:
O menino dormia sereno na cama do casal. Nada o incomodava. Nem a luz que lhe chegava pela metade. O pai aproveitava a claridade inteira da luminária sobre a mesa fazendo escrituração. A atividade de escrever era interrompida pelo suspiro que o olhar fazia procurar a cria ali deitada e em vez de versos eram expressos solilóquios: “Que responsabilidade! Tenho que educar, e proteger e assegurar o futuro desta criança que em minha cama dorme.”
O abril daquela época trazia esta preocupação junto com o burburinho da quermesse que chegava naquele quarto. Este petisco trazia sabor inquietante. O gosto agora é de vitória ao ver o homem forte e robusto percorrendo sua própria trajetória e não mais aquele menino indefeso.
A classe estava na escuridão e a porta da sala de aula aberta. Os discentes assistiam ao documentário. O professor aproveitava a compenetração da turma para contemplar o espetáculo que se fazia fora. Avistava-se ao longe o povaréu subindo e descendo a rua da basílica iluminada pelas luzes de barracas e parque. Sobre todos e tudo a lua gigante pairava feito santa como se a festa fosse para ela. Do alto a virgem astral recebia a homenagem. Tudo trazia o gosto de responsabilidade e hoje o sabor de dever cumprido.
***
O pote cristalino é assim. Mostra aquilo que a quermesse de abril abriu. Outras iguarias serão servidas quando o pote da memória for novamente aberto por demais estímulos. Porque a memória é o poema mais íntimo!
Que os meses vindouros tragam outros sabores – lembranças e saudades – para degustarmos com o coração.
Recordação!
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 23/04/2015.