Ovelha desgarrada
Há muito tempo, num pequeno condado da Baviera, uma ovelha se desgarrou do seu rebanho e se embrenhou numa enorme floresta de abetos e pinheiros, lugar assustador, cercado de lendas e mistérios.
Havia regras no rebanho, e ‘É proibido acercar-se a coisas de mistério’ era uma delas.
Para as outras ovelhas, o que importava era pastar calmamente, passeando o olhar pelas encostas e campinas, produzir boa lã, sempre indo e voltando aos mesmos lugares, seguras, satisfeitas, livres de lobos, linces e ursos.
A desgarrada não era assim. Era de espírito afoito, curiosa, não se importava com lãs nem segurança, queria explorar, arrancar dos mistérios suas entranhas e sentir-lhes o gosto, fosse bom ou ruim. Não tinha medo. Por isso se desgarrou. Mas logo voltou, e ao voltar, seus olhos brilhavam de alegria e susto, o que incomodou as outras ovelhas, arrebatadas do torpor de uma normalidade estável pelo que consideravam ser uma ameaça à harmonia do grupo.
Nenhum monstro saiu da floresta para atacá-las. Nenhuma bruxa. Nenhum lobo. Nada. Simplesmente uma ovelha se desgarrou do rebanho e depois voltou. E ao voltar, não baliu cheia de si, anunciando-se melhor que as outras. Só seus olhos se expressavam, denunciando a inquietação alegre do espírito, a chama da curiosidade a instigá-lo rumo a novas descobertas.
Um dia ela se desgarrou de novo, passou uma noite inteira na floresta, e voltou com o dorso ardendo em chamas, saltando veloz sobre os arbustos secos, até a encosta onde as outras ovelhas pastavam. Rolou no chão úmido, próximo às companheiras, até apagar o fogo. Quase todo o rebanho sorriu de satisfação. A desgarrada finalmente tinha tido o seu castigo.
Mas não. O rebanho não sabia que as chamas e a dor por elas provocada eram do aprendizado, resultado de uma aventura, de um contato inesperado com um mistério difícil, mas instigante, que foi enfrentado e vencido com prazer. Foi arriscado. Foi doloroso. Mas foi bonito. Da experiência uma luz nova surgiu. Um novo horizonte se abriu.
De repente, a ovelha desgarrada não era mais do rebanho. Entrou na floresta e nunca mais voltou.