SUMÁRIO DE UM QUADRO A VENDA

Parei de frente ao mural , ele estava forrado de pedacinhos de papel de pessoas pedindo empregos e outras oferecendo . Não entendi como aquilo funcionava , simplesmente apanhei um que oferecia emprego de caseiro . Pedia homem solteiro sem filhos e com carteira de motorista . Hugo não tinha nada , só uma carteira der motorista , então arranquei o pedacinho de papel do mural da agencia de empregos e levei para Hugo . Eram duas da tarde quando ele saiu na porta só de cueca e olhos cheio de remela . O sol brilhava gloriosamente , sorria como se tudo estivesse bem .

- Como vai isso , meu chapa ? Me acordando assim tão cedo até parece que alguém morreu .

Empurrei seu corpo suado para o lado e entrei . Sua casa fedia a meia usada . Na cozinha encontrei latas de cerveja sobre a mesa , bitucas de cigarro e camisinhas , camisinhas novas dentro do cinzeiro . Na pia louça para lavar . Era uma casa desprovida dos cuidados femininos . Ele dizia não enxergar vantagens em se ter uma em casa . Não suportaria a variação de humor e a necessidade constante de atenção . Estranho vindo de quem vinha , ele era exatamente o tipo de pessoa que necessita de atenção e pequenos mimos .

Lhe entreguei o pedacinho de papel , ele atirou aquilo no sofá sem se dar ao trabalho de ler .Depois foi até seu quarto e voltou com um quadro , Hugo era pintor , pintor dos bons , mas ninguém via isso . O mundo não precisa de mais pintores , precisa de faxineiros e traficantes , qualquer coisa menos artistas vivos . Hugo não estava recebendo mimos agora .

Era uma bela pintura , uma garota ruiva nua sobre um poney .

- Você tinha de ter visto ela , cara . Um pedaço do inferno cuspido na terra . Ela não me deixou tocá-la , claro que não , mas posou para mim em troca de vinte pratas . Disse que precisava do dinheiro para passagem , não sei para onde ia ou foi , mas lhe dei as vinte pratas , minhas ultimas notas , agora não tenho grana para nada , vou precisar vender esse quadro por qualquer trocado que me derem na beira da pista .

Uma vez Hugo teve uma exposição , vendeu todos os quadros , mas seu agenciador sumiu com a grana e reapareceu meses depois com promessas . Então ele prometeu que lhe enfiaria o pé no rabo se não sumisse da sua frente .

Hugo sentou se no sofá e apoiou as pernas na mesinha de centro . SE ajeitou ali como se todos os ossos de seus corpo doessem , mas ele estava bem , sua dor era outra ; sentia-se vazio . Era daqueles tipo que pensa que artistas tem de estar sempre num constante grau de sofrimento que lhe faça chorar , mas ele era forte e não chorava , mas se lamentava .

- Cara , esse lugar precisa mesmo é de uma grande catástrofe . Terremotos , dilúvios , nada permanente , só um pouco de destruição . Pessoas dão mais valor a arte nos tempos difíceis . Agora que esta tudo bem , ninguém se importa .

- Pessoas querem se sentir confortáveis para fazer as as coisas que querem . Se não estão preocupadas , relaxam . Penso que uma constante tensão mantém o indivíduo acordado , esperto e ativo .

A luz vencia a cortina na janela da sala , entrava macia.

O homem se endireitou no sofá , o quadro da ruiva estava ao seu lado e ele me entregou .

- Veja quanto consegue nisso . Na verdade , me de 50 pratas agora e fique com ele , os lucros da venda são seus . Ou faça melhor , o guarde por alguns anos , décadas , até que inflacione , você pode fazer uma grana com isso daqui alguns anos .

- Que nem a Monalisa ?

Perguntei, olhando por entre um buraco de cigarro na parte inferior da tela .

- Então , vai ficar com a tela ou não ?

- Hugo , você precisa de um emprego . Todo mundo precisa de um , essa é a grande realidade cafajeste dessa vida . Se você não trabalha é um vagabundo , se é um vagabundo é um rato , ninguém te quer por perto , a não ser os outros ratos ou os gatos para te enfiarem no rabo .

Hugo mergulhou a cabeça nas mãos , encheu os pulmões de ar , parecia que ia começar a chorar, então sua face barbada e magra surgiu , foi quando disse :

- Me de 15 pratas e leve essa droga daqui . Você esta me roubando , saiba disso . Amigos não roubam amigos .

Abri minha carteira e lhe joguei dez . Me acompanhou de cueca até o carro , antes de eu sair me filou um cigarro e a caixa de fósforos .

- Dia desses , você escreve sobre mim , meu chapa .

Disse ele , quando o motor roncou .

Essa é a historia deste quadro .

24/04/2015

08H44M

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 24/04/2015
Reeditado em 24/04/2015
Código do texto: T5218379
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