ROBERTO CARLOS BRAGA
(O cancioneiro da emoção)
Um dia um menino sonhou que a sua voz poderia encantar e emocionar multidões. Juntou-se a isso o amor às coisas da natureza e à sua fé. Todas essas forças juntaram-se em belíssimas canções que a sua genialidade foi capaz de criar. E as suas emoções iam jorrando canções afora, como se disso dependesse a sua existência, num misto de anseios e de ideal para o qual fora preparado, aproveitando assim as vastas inspirações que lhe afloraram na mente em criações que encantaram as pessoas. Ante à fama que despontava, e aos bens materiais que armazenava, o cancioneiro expandia as sua verve, elaborando poesias com que recheava as suas melodias, contou com isso, em muito delas, com o talento de um seu amigo: Erasmo Carlos, que emprestou ao menino sonhador, um pouco do seu desprendimento e fortaleceu a amizade, que ambos cultivaram. Dessas inspirações surgiram canções que encantaram e encantam as pessoas até hoje. O menino tornou-se jovem e o jovem virou homem e a força de então ganhou a experiência dos anos vividos. Nas canções falaram dos detalhes (1) de um amor perdido e de outros tantos; e iam encantando os seus ouvintes, reprovaram o preconceito de cor nos versos: "... se as cores se misturam pelos campos, é que flores diferentes vivem juntas, e a voz dos ventos na canção de Deus, responde todas as perguntas..." (2) Mediante às suas criações, ia também emprestando a sua voz às criações de outros talentos que buscavam na sua interpretação a dose exata para levar a sua obra às pessoas, como se assim realizavam o seu sonho também.
Como esquecer a força expressa em forma de canção, buscando na poesia o equilíbrio entre o belo e o filosófico, quando numa de suas canções ele diz: "... da semente ao trigo, quantos são, pra fazer chegar à mesa o pão?" (3) Mas sempre voltado para o lado romântico, que passou ser sua marca mais relevante, buscando no amor a fonte mais forte de sua criação como poeta e compositor. Dali ele se esmerou, através de linhas melódicas, como se somasse assim à poesia, a força descomunal que iria sensibilizar algumas gerações, trazendo ao homem comum a chance de sonhar, idealizando um amor tão próximo de cada um de nós. Impedindo assim de nos envergonharmos de amar e declarar esse amor, ficando como referencial de romantismo a que nos acostumamos, e dizer as suas letras, já soava como a uma declaração de amor a alguém que nos interessasse. Da sua voz, veio-nos a belíssima: "... eu vi um menino correndo, eu vi o tempo, parado ao redor do caminho daquele menino, eu pus os meus pés no riacho, e acho que nunca os tirei..." (4) Soube reconhecer o valor da amizade emprestada pelo seu parceiro mais fiel, quando compôs, às escondidas, a letra de uma de suas mais conhecidas canções: "Você, meu amigo de fé, meu irmão, camarada; amigo de tantos caminhos, de tantas jornadas..." (5) Por sua fórmula, foi tachado de cafona e de repetitivo, quando se esmerou ao cantar: "Eu sou aquele amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores..."(6) Assim os seus versos, os versos deles, não podemos precisar qual dos dois, em determinada canção, faz a letra ou se trabalham juntos no acabamento final e procuram a harmonia ideal à emoção que devem levar ao público que os aguarda. Após o trabalho de composição, a sós ou em parceria, a qual se tornaria célebre na música brasileira, era necessário colocar a voz, que seria o encanto maior e que todo o público esperaria. Foi com esse potencial que ele celebrizou canções de outros compositores, sempre buscando dar a essas criações a roupagem que a sua sensibilidade poderia emprestar a essas obras. Foi desse modo que em 1.968, em San Remo, Roberto exportou todo o seu talento para o festival célebre dessa cidade italiana; ali empostando a sua voz a uma canção da terra, pode ser laureado com o primeiro lugar, interpretando a suavíssima "Cancione per te" (7). Apesar dos rótulos pessimistas, Roberto conseguia através de um gesto simples: abrir a boca e deixar as canções fluírem magistralmente, conquistava cada vez mais adeptos e seus trabalhos eram consumidos de forma a torná-lo cada vez mais célebre, figurando-o entre os mais notáveis cantores que o país já produzira. A sua carreira fazia escola na interpretação de canções, logo surgiram seguidores e até imitadores. "...Ainda que a realidade me limite, a fantasia dos meus sonhos me permite que eu faça mais do que as loucuras que já fiz...." (8) E cada vez mais seus versos seguiam a força da sua inspiração, nos revelando fatos e casos que a ele pareciam tão fortemente vinculados através da emoção que as palavras poderiam registrar e enviar para uma posteridade, ainda que não tivesse tal intenção. A beleza poética aparece constatemente nas letras de suas músicas, tal como:“... Pra não me ver mais triste ainda, ela sorriu, me olhou nos olhos, me beijou, depois saiu. Caminhou com passos calmos e parou, me acenou mais um adeus, depois seguiu..." (9) A beleza poética surgia a cada verso novo, e ia introduzindo outros aspectos às suas letras, cheias de fé e força espiritual, como em: "Outros que brincavam mais além, deixavam de brincar pra vir também, e cada vez crescia mais, aquele batalhão de paz, onde já marchavam mais de cem... (10) Aos versos de outros compositores ele emprestava a sua voz e as palavras jorravam como se fossem de sua autoria, a força que o movia também contagiava outros compositores e eles creditavam as suas obras ao grande intérprete que se destacava: "Apenas uma vez, lhe procurei e tentei lhe falar, mas vi que os seus defeitos são iguais aos meus..." (11) A sua paixão por carros também lhe rendeu algumas canções, tendo como objetivo os sons de carros correndo e sendo alvo de suas letras: "O ponteiro marca 190, por um momento tive a sensação de ver você ao meu lado... O banco está vazio." (12) No início da carreira, compondo ainda sozinho, ele tivera alguns bons momentos e isso já o consagrava como um excelente letrista, quando dizia: "Nem mesmo o céu, nem as estrela, nem mesmo o mar e o infinito, não é maior que o meu amor nem mais bonito..." (13) E o cancioneiro seguia a sua grande inspiração, trazendo para a música, as suas aspirações, seus sentimentos, quando se deteve em apenas um detalhe: "A noite envolvida no silêncio do seu quarto, antes de dormir você procura o meu retrato, mas na moldura não sou eu quem lhe sorri, mas você vê o meu sorriso mesmo assim e tudo isso vai fazer você lembrar de mim..." (1) A sua interpretação não conhecia limites nem idiomas, e no espanhol, ele encontrou também a guarida que a língua mãe já lhe havia dado: "Acariciame ensueño, el suave murmullo de tu suspirar, como rie en la vida, si tus ojos negros me quierem mirar..." (14) Às vezes falava em suas letras a respeito da fé, outras da natureza, pregava a amizade entre os seres, exaltava a bondade divina e se esmerava em cantar as formas mais simples do amor entre todos: "Eu quero o amor decidindo a vida, sentir a força da mão amiga; o meu irmão com sorriso aberto, se ele chorar quero estar por perto..." (15) Ou ainda: "Quem briga com a natureza, envenena a própria mesa, contra a força de Deus não existe defesa..." (16) Fala de seus sonhos infantis, dos seus dramas como menino pobre, debruça-se sobre a lembranças do passado, da casa simples, da vida simples: "... eu venho aqui me deito e falo, pra você que só escuta, não entende a minha luta; afinal de que me queixo?" (17) E quando contempla a natureza, observa que ela é mais astuta que os seres humanos, e abusando das imagens poéticas, assim mesmo respeita as leis da natureza, quando escreve: "... fui abrindo a porta devagar, mas deixei a luz entrar primeiro, todo meu passado iluminei e entrei..." (18) E a utopia se insere em suas letras, de forma a extrapolar todo o seu romantismo, buscando o melhor entendimento do ser humano, quando em sonho se imagina desfrutando de bom relacionamento com um vizinho: "... Sonhei que entrei no quintal do vizinho e plantei uma flor, no dia seguinte ele estava sorrindo, dizendo que a primavera chegou..." (19) Dá lição de moral àquela garota que o esnoba, esbraveja aos quatro cantos: "... meu bem, meu bem, use a inteligência uma vez só, quantos idiotas vivem só, sem ter amor, e você vai ficar também sozinha, eu sei porque sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo..." (20) Mais intimista, tanto em suas composições como em composições alheias, Roberto também se compraz em versos de grandeza do ser humano, quando empresta a sua voz a: "... eu sinto o seu perfume pelo ar e ouço uma canção que faz lembrar momentos que tivemos e um final que não soubemos evitar..." (21) Outros autores continuavam felicitando-o pelas suas interpretações, enviando-lhe canções de mais rara beleza: "Há sempre uma sombra em meu sorriso, ouvir a sua voz me faz tremer, foi seu amor que fez isso comigo, só não me ensinou como esquecer..." (22) As suas obras, como autor e como cantor, confiam-lhe prêmios dos mais diversos, e o mais esperado de todos eles, era o reconhecimento do seu público: "...nossos problemas são nossos, não devem servir pra conversas banais, melhor você não se iludir nem se abrir com pessoas que falam demais..." (23) Da delicadeza de certas horas, o poeta retira imagens que marcam a si como aos que chegam a sua obra: "...eu quase posso ver a água morna deslizar no corpo dela, em gotas coloridas pela luz, que vem do vidro da janela; um jeito nos cabelos, colocando o seu perfume preferido, diante do espelho aquilo tudo, ela esconde num vestido..." (24) E quando perde um amor, vê na distância o sofrimento, mas quando esse amor aparece numa rua qualquer: "...e cada vez que eu te encontro, você parece mais bonita, modificando os meus planos de não querer você na minha vida." (25) E quando busca outros parceiros, não menos talentoso, o cancioneiro também sabe se impor, como se de suas veias jorrassem os fluidos sacrossantos da poesia mais clara, interpondo uma barreira entre o insólito e o real: "...seus olhos são como a noite, que esconde tantos segredos, nos lábios tantos desejos, que só de olhar vem à boca o gosto daquele beijo..." (26) E San Remo parou ante o encanto daquele jovem, que num idioma estrangeiro, soltou a sua voz: "La festa appena cominciata giá finita il ciello nom piu com noi..." (27) Depois de tantas, Roberto quase chega aos sessenta anos, absoluto, em longevidade e sucesso, não quem se compare com ele; tantos outros talentos perdem-se na longa estrada da fama, mas ele permanece como uma pedra rígida, como água caudalosa, sem represamento. E os anos ainda vão render-lhe bons frutos, dada a sua capacidade de superação.
O homem supera a arte, para se tornar imortal, porque a ela está agregado.
Musicografia:
(1) Detalhes, Roberto e Erasmo Carlos.
(2) Pensamentos, Roberto e Erasmo Carlos.
(3) Todo Mundo É Alguém, Roberto e Erasmo Carlos.
(4) Força Estranha, Caetano Veloso.
(5) Amigo, Roberto e Erasmo Carlos.
(6) Amante À Moda Antiga, Roberto e Erasmo Carlos.
(7) Canzone Per Te, Sergio Endrigo e Bardotti.
(8) Você não sabe, Roberto e Erasmo Carlos.
(9) A Estação, Roberto e Erasmo Carlos.
(10) A Guerra Dos Meninos, Roberto e Erasmo Carlos
(11) Atitudes, Getúlio Côrtes.
(12) 120, 150, 200 Km Por Hora, Roberto e Erasmo Carlos.
(13) Como É Grande O Meu Amor Por Você, Roberto Carlos.
(14) El Dia Que Me Quieras, Carlos Gardel e Alfredo Le Pera.
(15) Eu Quero Apenas, Roberto e Erasmo Carlos.
(16) O Ano Passado, Roberto e Erasmo Carlos
(17) O Divã, Roberto e Erasmo Carlos.
(18) O Portão, Roberto e Erasmo Carlos.
(19) O Quintal do Vizinho, Roberto e Erasmo Carlos.
(20) Sua Estupidez, Roberto e Erasmo Carlos.
(21) Recordações, Edson Ribeiro e Helena dos Santos.
(22) Todos os Meus Rumos, Fred Jorge.
(23) Comentários, Maurício Duboc e Carlos Colla.
(24) Rotina, Roberto e Erasmo Carlos.
(25) Tentativa, Márcio Greyck.
(26) Procura-se, Roberto Carlos e Ronaldo Bôscolli.
(27) Canzonne per te, Sergio Endrigo e Bardotti.
Lins, outubro de 1.999.