("pra não dizer que não falei das flores...")
Pé de Hibisco
Reclamaram das flores caindo do outro lado do muro: a vizinha não gostou do derramamento de hibiscos vermelhos no chão concretado e veio pedir pra cortar o pé, ou pelo menos a ramada que debruçou sobre o lado “do que é meu”...
Fico descontente, pois sou contra cortar qualquer coisa que seja flor e esteja plantada à volta da casa. Custa tanto pra crescer. Depois vou cortar à toa? Sim, eu sei que a poda é necessária para dar força, revigorar brotos, e finalmente para arejar o jardim. Como bem diz Seu Pedro Jardineiro, “O jardim fica mais asseado”, mas fique claro, eu sou totalmente contra. Não gosto de formatar as árvores. Galho tem que crescer pro lado que quiser.
Foi isso. A nova vizinha gosta de tudo asseadinho e, segundo ela, as flores do hibisqueiro são molengas, grudam no cimento, fazem manchas feias que não saem com vassoura. Eu poderia cortar? Poderia! Muito a contragosto, mas eu poderia sim, como não? Afinal, não quero mal-estar com vizinhança por causa de florzinha...
Ah, melhor seria se fosse só uma florzinha. Mas um pé inteirinho de flores vermelhas, lindas, maravilhosas, meus encantos, meu deslumbre de todo dia! Casa de passarinhos, passagem obrigatória de beija-flor que vem de longe, colher beijinhos delicados; abelhas que adentram corolas e se lambuzam todinhas em pozinhos amarelos; lagarto comendo flor! (nunca tinha visto, mas ontem peguei o flagra: o bichinho, todo desconfiado, de cima do muro esticava a cabeça e mordia a pétala, enchendo a barriguinha com o delicioso almoço hibiscal!)
Sem ter o que fazer, chamei Seu Pedro. Para quê, Dona Marina? Pra podar o pé de hibisco, Seu Pedro. Vai cortar??? A senhora não gosta de cortar, uai! Não gosto mesmo, Seu Pedro, mas a vizinha reclamou, não tem jeito, não. Ora, por quê? Porque a flor tá sujando o lado dela, ela não quer, ela não gosta! Senhor dos Passos, o povo tá custoso, hein? Pois é, Seu Pedro, vamos cortar os galhos bisbilhoteiros que estão metendo o bedelho em quintal alheio, tá certo? Tá certinho, amanhã, a gente corta!
Amanhã a gente cortou! Os galhos foram caindo um a um, formando um cemitério de flores. Deu vontade de colher tudo num retrato pra nunca mais se perder visão tão triste. Do galho de uma outra arvorezinha, o beija-flor espiava revoltado. Onde já se viu jogar no chão a razão de seus beijos? Eu nem quis escutar o que ele dizia na brabeza de seu silêncio. Podia ser que eu também ficasse mais brava que já estava com a parte do mundo que gosta de cimento limpo e pede a morte das flores.
Lá pelas 5, o caminhãozinho vem apanhar os restos da poda. Vai levar para longe o que antes era a alegria do canto do muro. Não posso olhar o canto nu, — sem pétalas, beija-flor, lagartos comedores de flores, abelhas e vida — sem um nó na garganta. Será que chá de hibisco acalma desgosto? Podia aproveitar esses que estão pelo chão e fazer um chá. Deixa disso, Marina, que hibisco de fazer chá não é esse de jardim. O jeito é remediar com um copo d’água mesmo, pois o sol que agora arde, o calor que já se sente sem a sombra do hibisqueiro, é coisa custosa de suportar...
(rs agora já me conformei)