Assassino Suicida
Acordara outra vez pontualmente às três da manhã, o suor banhava-lhe o rosto marcado pelas várias cicatrizes que adquirira ao longo dos anos. Levantou-se ainda bambo e encarou por alguns segundos o seu reflexo no espelho: os cabelos negros e espessos caindo em ondas desleixadas na altura dos ombros e unindo-se ao suor que escorria pela sua testa, os olhos completamente negros e sombrios, que pareciam absorver todo e qualquer resquício de luz que irrompesse em seu caminho, a pele pálida, muito semelhante à descrição que traziam os antigos livros sobre a pele de um vampiro. Nada disso ajudava-o a recordar-se do garoto alegre e sorridente que um dia conhecera. Este parecia ter-se extinguido, sido absorvido pelo buraco negro de uma galáxia distante.
Abriu o chuveiro, entrou embaixo e deixou que a água escorresse à vontade por todo o seu corpo, numa tentativa frustrada de que ela, com isso, lavasse a sua alma. Mais uma vez pôs-se a chorar. Quando saiu do banho, uma hora mais tarde, já não haviam mais lágrimas para serem derramadas.
Sentou-se na cama, passou as mãos pelos cabelos, agora úmidos e menos oleosos, e, desejou que aquele menino alegre de outrora retornasse. Seu pedido não foi atendido. Fitou o chão, passando depois a observar todo o ambiente à sua volta, pousou seu olhar no porta-retrato vermelho que decorava sua mesinha de cabeceira, o garoto sorria alegremente em sua direção. O sorriso bonito do qual ele tanto sentia falta.
Caminhou mais uma vez até o espelho e surpreendeu-se ao constatar que o seu reflexo chorava compulsivamente. O reflexo encarou-o por alguns instantes e com um misto de tristeza e ódio reluzindo no olhar pôs-se a repetir: "-Você o matou! Você matou para sempre aquele garoto."