Outrora

As nuvens escuras do céu daquele solitário dia, eram como enormes ondas acinzentadas que se aproximavam dela. De repente, envolta pela serenidade, descobriu nem sabe mesmo por qual razão, que definitivamente tudo se esvai. Tudo desaparece num segundo, tal como desapareceriam aquelas assombrosas e pesadas nuvens.

Era uma brincadeira, uma ironia. Pensava justamente na efemeridade quando o tempo brincava com ela. Inútil. Ninguém. E no entanto, pensar observar.

Era somente um tempo nebuloso a mais. Talvez outras mães, em outras casas, corressem com semblantes cansados e esbaforidos recolher as roupas do varal, tratando aquela nuvem d’agua tão somente como um desperdício. Mas ela cuidava daquele dia. Porque sabe que tudo desaparece. Sabe que aquelas nuvens, não inúteis como ela, desapareceriam. Assim, amanhã se transformariam com a rapidez de seus próprios movimentos em outrora. Amanhã certamente não seriam nuvens, portanto cuidava-as com um olhar descartável, mas simplório. Uma gratidão.

Todavia, na intimidade dela com aquele espaço, aquele curto espaço de tempo, havia a crônica da saudade que escrevia dentro de si. As nuvens. As folhas em branco onde revivia uma saudade que a surpreendia e a conhecia. Tal como aquelas enormes ondas que a submergiam, a atravessavam, depois sumiam.

Aos poucos aflorava uma dor. Deixava que o vento passasse. Desfilasse perante seus olhos, varresse o ar de sua sobrevivência. Desaparecia. Sonhava um mundo. Inútil… Por que chorava? Sonhava tudo novo, como tantas almas inúteis o fizeram. Nas nuvens não existe saudade se for real tudo o que pensa saber sobre elas. Mas desaparecem desligadas. Desaparecem. Andam milhas e milhas, sem nem mesmo lembrarem-se de onde vinham, com quem vinham. Tudo simplesmente fica para trás. Tudo se esvai…

Por que haver amor dentro de si? Encontrou- o no seu íntimo e em todos, e continua desejando que aqueles ao seu redor também o façam. Entretanto, o que significa esse amor se até mesmo ele desaparece? E junto com ele desaparecem as pessoas. As pessoas que ficaram. Não são elas, portanto, esse amor concreto, escondido no abstrato? O que importa é que as pessoas foram. Nada ficou. Na sua inutilidade não as pôde segurar. Entre os olhos, entre os braços, entre as frases, nos seus pensamentos. Talvez porque tornaram-se inúteis. Mas agora afloram-lhe a decepção de simplesmente passarem. Os dias de amanhã dependem delas. Essa segurança. Quer ter essas nuvens. Há um mundo com o qual sonha. Há essa esperança em sonhar. A vida ser mais que simples vida. Os amigos serem mais que simples irmãos. Os irmãos serem mais que simples sangue.

Enxerga através de si. Uma janela de despedidas. Por que chora? Todos vão por algum motivo. Não lhe cabe. Não lhe deve importar. Foram céticas despedidas? Semeou. Cresceu. Um curto espaço de tempo. Apenas voltam… Ou talvez, nem mesmo realmente vão para qualquer lugar muito longe de nós.

Beatriz Beraldo
Enviado por Beatriz Beraldo em 20/04/2015
Reeditado em 23/05/2015
Código do texto: T5213917
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