Pagão de Pelé
Meu gosto pelo futebol começou com meus primeiros passos - na rua. Como com todos os meninos do lugar, salvo as honrosas e horrorosas excepções.
Era uma coisa atávica, fascinante, sentir o quicar de uma bola, ainda que a mesma mal se aproximasse do formato de uma esfera e pra quicar é que deixava a gente na espera: as de meia, preta, quase sempre, eram as mais comuns. Mas havia aquelas cobiçadas, de borracha, que quicavam ferozmente até irem de encontro a um espinho de roseira, ou uma ponta de prego na cerca, sempre à espreita - e certeira!
E pouco me dava eu por pibe quando ganhei de presente...uau!... a bola de couro. Cuero argentino, caramba! Tinha meus cinco anos e acho que papai me via como a salvação futura para o seu Vasco da Gama.
Os guris do povoado, os mais circunvizinhos, passaram a me cortejar, certos de seu lugar no time - e no meu coração de vime. E fui levar a bola pra encher lá do outro lado do vilarejo, na casa de um tal Mozar, bem rente ao campo onde futebol onde a rapaziada séria jogava aos domingos - e a fora de séria circundava o campo, apreciando o espetáculo, ou fazendo coisas mais nobres como tomar uns tragos, fumar e namorar.
Como não era domingo - nem sábado, dia de treino - atravessei o campo vazio, vazio, com a murcha bola, e o mano Beu na cola. De bola cheia, lá no campo mesmo chutei-a: quase destronquei o dedão, mas tentei dar uma de durão. Chorei não.
E os dias que se seguiriam na minha rua haveriam de ser de completa felicidade de minha união com a bola, eu mandando e desmandando no time, fazendo meus gols, infernizando as defesas, e outras proezas.
Chegado em casa, no quintal, sob a sombra da mangueira, tentei replicar com a bola de couro o que já fizera com a da imaginação: dar uma puxeta, um 'chale', uma bicuda, uma perombada...era tudo bem mais fácil antes. Não dei pelota: fui descansar o pé. Ainda estava pra surgir o Pelé.