Ninguém volta atrás
Não sei se vocês repararam, mas, hoje em dia, ninguém mais volta atrás. O sujeito nega a própria lei da gravidade, mas não volta atrás. Observem uma discussão qualquer, pode ser uma dessas no Facebook mesmo, e tentem encontrar alguém que diga “Mas eu sou uma besta mesmo! Você tem razão! Obrigado por abrir os meus olhos!”. Ninguém faz esse tipo de concessão ao rival – o outro é sempre um rival. Não conseguimos pensar o mundo senão em uma constante disputa entre o bem e o mal e, por coincidência, sempre somos nós que estamos do lado do bem. E, como não é possível a comunhão entre luz e trevas, também não é possível admitir que o outro – esse inferno – tenha a mínima razão no que quer que seja.
Acontece que demarcamos o território da nossa bondade muito cedo. Com uma ou duas opiniões nós já nos consideramos portadores de verdades eternas. Não entendemos que a opinião é apenas uma parte do processo para se chegar à verdade, e não a verdade em si. Opinar, como ensina Artur da Távola, é manifestar uma impressão, supor uma realidade, discuti-la e, se for o caso, retificá-la. Para isso é preciso abrir espaço para as contradições e ter a humildade de reconhecer que a sua opinião não consegue dar conta de toda a complexidade do mundo real. Normalmente, apontamos apenas as contradições de quem discorda da gente, reforçando assim a nossa própria opinião, sobre a qual não admitimos desconfiança.
Como ninguém está predisposto a reconsiderar, criamos verdadeiros diálogos de surdos e transformamos as discussões em uma disputa para ver quem grita mais alto. Até chegar o momento em que cansamos e desistimos de chegar a qualquer verdade, alegando coisas como “cada um tem a sua opinião”. Achamos que ser coerente é continuar pensando o que sempre pensou por toda a vida, mesmo que isso signifique negar a verdade mais evidente. Ao não admitir a possibilidade de voltar atrás, impedimos o nosso próprio crescimento – e ainda tornamos insuportável a convivência conosco.