O cadeirante
O ônibus ainda não havia saído do terminal. Era final da tarde e mais um dia de trabalho chegara ao fim. Quase na hora de sair, apareceu um homem de cadeira de rodas querendo entrar. O cobrador olhou para o motorista, o motorista olhou para o cobrador e falou: “Vai você”. E o cobrador foi. Hoje em dia quase todo ônibus tem aquele elevador de fazer subir cadeirante. Hoje em dia quase todo ônibus tem um elevador de fazer subir cadeirante que não funciona. E não deu outra: o cobrador colocou o cadeirante em cima, ligou a maquininha e o negócio travou no meio do caminho. Tirou o cadeirante de cima, tentou fazer o elevador voltar ao início, mas ele não saiu do lugar. Que maçada! Era preciso dar um jeito de colocar o cadeirante dentro do ônibus e era preciso dar um jeito de fazer aquele negócio descer, do contrário o ônibus não poderia sair – uma parte do elevador havia ficado para fora da porta.
O cobrador tentou mais uma vez, repetiu tudo o que já havia feito, e nada. O tempo ia passando, o ônibus já estava atrasado e alguns passageiros, que até então sequer haviam percebido o drama que acontecia na porta de trás do ônibus, começaram a ficar inquietos. Lançaram ao fundo do ônibus olhares de rancor que pareciam dizer “Como é? Resolvam logo isso aí que eu estou com pressa”. Assim deviam pensar, mas o curioso é que não exprimiam esse protesto. Estavam insatisfeitos com a demora, mas não ousavam lançar nenhuma palavra na direção do cadeirante. Acaso intuíam que estariam sendo desumanos? Não se sabe, mas nesta frágil autocensura se concentra todo o equilíbrio do mundo.
Até que uns, mais fortes ou mais apressados, se dispuseram a erguer o cadeirante no muque. Isso resolvia o problema do cadeirante, mas não o do elevador, que continuava aberto para o lado de fora do ônibus. Tentou-se ainda mais um pouco antes de desistir: era preciso que trocar de ônibus. E desceram todos os passageiros, e desceu também o cadeirante – que eu espero que tenha uma boa auto-estima.