OPTATIVA

Engraçado isso. Pela primeira vez na história de meus escritos eu tinha um título, mas não tinha um texto. O título preencheu minha mente com suas grandes letras garrafais num outdoor imaginário a céu aberto: OPTATIVA.

E dizia tanto... O título era a própria contradição, mas deixemos de preâmbulos.

Optativa é aquela matéria que, numa graduação pode ser escolhida dentro das grades curriculares de qualquer curso oferecido na universidade e que devemos necessariamente nos matricular. Já aí se vê implícita uma falta de opção, embora a disciplina seja designada como "a que se pode optar".Melhor seria dizer que dentre várias disciplinas opta-se por uma só que é imprescindível de se cursar. É claro que tudo isso dito agora não serve para absolutamente nada a não ser, proporcionar procrastinação ao texto antes de chegar ao assunto principal e acrescentar mais um parágrafo por puro capricho estético.

Acontece que, entre as matérias designadas para o semestre vigente estava a tal optativa, onde não cursá-la não é uma opção. Procurei por todos os cursos uma disciplina que me agradasse, mas que no fundo eu sabia que era mais para preencher um vazio da minha grade curricular, e então, como se fosse uma espécie de mágica ou atuação do sobrenatural, o cursor do mouse recaiu sobre uma, cujo nome tinha algo a ver com ciência. Consciência? Metodologia da ciência, eu arrisco dizer, e foi exatamente nesta que resolvi me matricular. Ainda hoje, a parte que considero mais irônica era não haver ementa, logo, eu não sabia em absoluto do que se tratava, mas também não pensei em momento algum me "desmatricular" quando poderia muito bem ter desmatriculado.

Cheguei um dia na aula, mais perdida do que os paladinos do "fora corrupção" e pró-impeachment em plena manifestação na Avenida Paulista e me deparei com a professora. Só. Ninguém havia optado por aquela optativa, eu pensava, enquanto arrumava espaço na mente para mentir ou omitir, ou bolar uma desculpa para minhas ausências inegáveis.

A professora então, muito amável, me deu boas-vindas com olhos cheios de surpresa e expectativa enquanto eu apreciava aqueles ares de exclusividade pois que era antisocial o suficiente para gostar da ideia de uma aula só para mim. É, eu merecia, pensava, quando a pergunta veio como um raio querendo fulminar minhas desculpas ainda incriadas.

- Mas por quê você escolheu esta disciplina? Geralmente os alunos escolhem deixar para o final já que ela pertence ao último semestre do curso...

- Bom... - alonguei muito o "o" para dar ênfase - Me interessei porque na ementa dizia que...

A ementa não dizia nada. Numa fração de segundos, como numa hórrida conjunção cósmica, meu súbito pensamento e a fala dela se coadunaram tragicamente.

- Mas não tinha ementa nessa disciplina - ela disse com ares de " Há! Te peguei!".

Passado o constrangimento, ela expôs o cronograma das aulas, dizendo que abordavam um assunto explosivo e que só recentemente chegara no país: as teorias de Steven Pinker, Daniel Dennett, Sam Harris entre outros, fazendo contraposições entre neurociência e direito, medidas criminais e o célebre debate entre livre-arbítrio e determinismo. Foi aí que parei para pensar na optativa que optara sem mesmo saber. Era a resposta para uma pergunta não feita, era o assunto pelo qual eu sempre havia ansiado discutir e esta seria uma disciplina que eu escolheria sem pestanejar se houvesse uma ementa para ser lida. Pensei em predestinação, talvez, isso é errado dadas as circunstâncias em que tudo ocorreu.

Meses depois de concluído o semestre, ainda me ficou na mente uma frase do neurocientista Sam Harris numa palestra que assisti pelo youtube. Algo como: "Você pode me responder com segurança por quê escolheu pensar o que pensou no momento? De onde vêm seus pensamentos? Se quisesse refreá-los, poderia?"

Somente este fato, de não podermos prever ou bloquear nosso próximo pensamento, já não seria um indício de que o tão aclamado livre-arbítrio seja uma deslavada falácia? Que somos presas de uma aleatoriedade determinante, desconhecida, incerta?

O debate desta perturbadora questão, reservo àqueles mais doutos que eu, pois que mesmo que levasse a minha vida a estudar isso, creio que o máximo que arranjaria para mim seria uma senhora depressão. Não sei o que vocês pensaram ao concluir a leitura deste texto, escrito às pressas para acompanhar o ritmo frenético do meu pensamento indômito, mas quanto à mim, juro-vos, pensei na optativa.

S Malizia
Enviado por S Malizia em 20/04/2015
Código do texto: T5213326
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