SOCIEDADE DESEDUCADA, SOCIEDADE ALIENADA
 
 
Convidaram-me para um casamento.  Oportunidade de vestir o meu melhor terno, guardado para ocasiões assim especiais.  No dia marcado, vesti-o e – claro! – olhei no espelho os detalhes do meu traje.  Constatei que, com aquela gravata branca, estava impecável.

Igreja, etiquetas, cerimonial...  Tudo perfeito. Recepção no melhor hotel da cidade.  Aí, tudo mais-que-perfeito.  Um encontro de amigos.  A sucessão fluente de belas canções – mais estrangeiras que nacionais – tentava-nos a deslizar os finos sapatos no dancing.  Nas paradas estratégicas, taças na mão e atualização das conversas nos grupos de amigos.  Ao mesmo tempo, olhares de admiração e aplausos íntimos para o insuspeitado desfile de modas e de inquietas beldades no amplo salão.  E eu, que julgava estar usufruindo, ali, dos melhores momentos da vida, logo saquei que não estava livre da censura alheia.

Ué!  Ainda usas paletó de três botões?!” – alguém critica.  “Mera galhofa inadvertida” – pensei, mas, no grupo, outros mais se apoderam do assunto e:

Não vês nas vitrinas?  Não vês os apresentadores de TV?  Não vês o Obama?  Não vês os nossos parlamentares?...  Todos usam paletó somente com dois botões e precisamos estar atualizados, atentos para essas mudanças!...  Você não  percebe que está por fora da moda?!”...

Não! Percebo estar vestido com o meu melhor terno, que uso somente em ocasiões como esta”... – sorriram.  “E, até lembro, comprei-o, faz tempo, aqui mesmo no Brasil” – gargalharam.

Não deixei que alguém mais falasse.  De imediato, me veio à mente uma expressão do pedagogo Paulo Freire e a soltei:

–“Quanto mais alguém quer ser outro, tanto menos ele é ele mesmo” – e, com esse “eu sou eu”, consegui dar outro rumo à conversa, indiferente às críticas feitas ao meu usado e ousado paletó.  Tentarei resumir:


Quem procura imitar os outros – uma tática da sociedade de consumo –, vai, pouco a pouco, perdendo sua própria personalidade.    Cada sociedade tem a sua cultura e sua história.  A cultura, portanto, de cada país tem por base dados relevantes de sua história.  Bem que deveríamos ter imitado os EUA quando da sua abolição da escravatura!...  Negros indenizados com terra, gado e numerário, passaram a integrar a sociedade como cidadãos (racismo à parte). Mas o social nem sempre é imitável. A abolição em nosso País, se quisermos ser tão humanos e justos quanto Abraham Lincoln, ainda está a caminho.  Não fosse o Lewis Thompson Preston, presidente do Banco Mundial, que, desde 1991, sugeriu um programa para tirar da miséria aproximadamente ¼ da população brasileira, não teríamos sequer implementado o tão repudiado Bolsa Família (a partir de 1994, de forma tímida, a fim de não comprometer o Orçamento da União, em especial as verbas destinadas à saúde).   Lembro este exemplo para dizer que fizemos vista grossa, por muitos anos, para a chaga social regionalizada de nosso País. Desprezamos o essencial, renegamos o imprescindível, ignoramos nossa realidade e até alimentamos gritantes desigualdades.  Não era raro, buscávamos, nos rincões do interior, uma serva, ainda menininha, para atender a todos os serviços domésticos de nossas casas, sem contrato, sem horário, sem remuneração...  Esquecíamos de estar desestruturando uma família.  Que família?...

Enquanto isso, absorvíamos (absorvemos) com prazer, facilidade, astúcia e em grande velocidade os modismos importados.  Quem se aliena dos problemas maiores do seu país, com absoluta certeza, não tem consciência do seu existir.  O ser alienado despreza a sua realidade ou a vê com indiferença, com olhos alheios.  Julga-se outro ser.  Detesta o país onde nasceu e onde vive.  Não progride nos estudos, ou profissionalmente, imaginando que há outro mundo em que tudo são flores sem espinhos.  Procura, pois, imitar esse mundo imaginário.  É um alienado.  Para ele, tudo que é bom vem de fora.  Desqualifica o humano, o essencial, e supervaloriza o objeto, o supérfluo.


Então queres dizer que, por estarmos na moda, somos alienados?” – questionam.

Fiquei a pensar com meus botões.  Meus três botões.  O erro maior não é propriamente a imitação, mas a passividade com que se a assimila sem qualquer autocrítica.  Senti-me mesmo um ponto fora da curva, numa festa cujos gastos superaram os cem mil reais de supérfluos, só supérfluos...  Qualquer resposta minha àquele grupo de alienados será supérflua, só supérflua...