A BOIADA

Aos colegas e amigos do Recanto das Letras, vai aqui uma crônica sobre as boiadas que ainda cortavam parte da cidade de São Paulo nos anos 1940. Assim “contou-me meu pai.” Os bois eram descarregados na estação da Vila Leopoldina e seguiam destino a Santo Amaro pela Estrada da Boiada, hoje, Av. Diógenes Ribeiro de Lima e por alguns outros caminhos, chegavam à ponte sobre o Rio Pinheiros no final da Rua Paes Leme e do outro lado do rio era a Rua Lemos Monteiro, daí pegavam a estrada M’Boi (nada a ver com boi – M’boi é cobra em tupi - hoje Av. Francisco Morato) até próximo a Taboão da Serra e viravam à esquerda(onde hoje é a Rua Dr. Luiz Migliano atingindo quase o final da Av. Giovanni Gronchi (na altura do Shopping Morumbi Sul) em direção à Estrada de Itapecerica onde viravam à esquerda e iam para o Frigorífico Santo Amaro (Frigor Eder)”. Agora vem minha participação.

De onde eu morava (hoje Av. das Belezas) na Vila das Belezas, via-se a boiada e ouviam-se os aboios dos vaqueiros que avisavam para limpar o caminho. Pessoas subiam nos barrancos (onde hoje é o terminal de ônibus). Ali a estrada formava como um cânion antes de atingir a ponte da Av. João Dias (em arcos como outras pontes dessa época sobre o Rio Pinheiros). Quando acontecia um estouro de boiada era um grande trabalho para os vaqueiros. Um boi chegou até próximo de onde eu morava e o fato de ter de ficar preso em casa até o “perigo” passar, pois diziam que um boi só é mais propenso a atacar uma pessoa que uma boiada, eu adquiri um terrível medo por bois isolados até hoje.

Eu ia de Santo Amaro para a Vila das Belezas com minha tia Elvira (tinha eu uns quatro ou cinco anos no máximo) quando ouvi alguns sons de voz humana e disse para a minha tia:

- É a boiada.

- Não é não, são os homens da Light que estão esticando os fios (1946 ou 1947).

Mas o medo enxerga longe e eis que um vaqueiro entra na ponte e grita: “Saiam do caminho, a boiada vem logo”. Nisso apareceram os bois na curva na saída do cânion onde havia um curtume (hoje é onde começa a Av. Maria Coelho de Aguiar). O pânico tomou conta de mim, uma pessoa me colocou na mureta que levava ao inicio do arco, o mesmo acontecendo com minha tia. Subimos o arco até onde outras pessoas já estavam em altura segura, ainda não sobre as águas do rio. Então vimos passar a boiada por baixo de nós. Os bois (brancos, pretos, marrons, malhados, etc.) afunilados na ponte estreita com a cabeça levantada sobre as ancas dos que estavam à sua frente. O que mais se destacavam eram os chifres. Quanto tempo levou para toda a boiada passar, não sei, mas parece que vejo essa cena até hoje. Foi assustadora. Passaram alguns vaqueiros que disseram que o caminho estava livre. Creio que dali até onde eu morava devia dar 1,5km. Foi o caminho mais longo que percorri, sempre com o ouvido ligado a algum aviso e os olhos a ver um boi no caminho.

Leitores, parece que estou buscando cenas de um filme de farwest ou de novela, não é não, é pura verdade. Tremo e suo se tiver que passar perto de um boi isolado até hoje e por quantas vezes tive que fazer essa “façanha”? Não sei, mas foram muitas. Imaginem que meu avô e um dos meus cunhados foram leiteiros. Eram vacas, mas para quem é medroso, tanto faz o sexo.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 19/04/2015
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