Uma janela na Rue de Renne
Abriu a janela e o ar frio atingiu seu rosto. Uma sensação gostosa, como também era gostoso o calor do interior no quarto. Os contrastes a atraíam. Sempre fora assim.
À sua frente, outras janelas ornadas com flores a faziam pensar em quem habitava aqueles cômodos. Tão charmosa a Rue de Renne! Ela se sentia em casa ali. Gostava de andar só pelas ruas, de sentar nos cafés, de olhar as pessoas passando, de imaginar para onde iam.
Há poucas horas sentira-se uma mulher feliz. Bateu pernas pelas calçadas e sentara para comer um croque monsieur com uma coca light. Adorava Coca-cola e nem o preço em Euros a assustava.
Um lanche simples e mais caminhada, olhando a cara de quem passava. Não só a cara: prestava atenção nas roupas, nos cabelos, nos sapatos e na expressão dos homens e mulheres de várias nacionalidades que nem a notavam, ou se notavam não se incomodavam com sua curiosidade.
Voltara ao pequeno hotel e após um banho, deitou-se para ler. Acabou cochilando, mas não descansou. Acordou, e a velha inquietação a tomou. Foi então para janela e tentou distrair-se adivinhando a vida dos habitantes da vizinhança.
Não deu muito certo e o pensamento voou para longe. Alguém a chamava em outro continente. Ou era ela própria que buscava aquelas lembranças para se reencontrar consigo mesma?
Não podia fugir de quem era, do que vivera. Ela nunca sabia se a ansiedade precedia esses pensamentos ou se era o contrário.
O fato é que as lembranças vinham sempre acompanhadas da velha inquietude.
Os sentimentos que envolviam suas recordações a deixavam ansiosa. Quanta coisa sentida, meu Deus! Quantas alegrias, prazeres, desilusões e sofrimentos. Chegadas e partidas. Será que as emoções contraditórias tornavam-no inesquecível?
Ah, ela amava os contrastes. Mas amar é sofrer? Não necessariamente, porém ultimamente ela amava e sofria. Nem adiantava dar a volta ao mundo, pois aquele amor tinha se entranhado na bagagem. Fazer o que? Amor que é amor vive nas entranhas mesmo.
Ai, que vontade de voltar a ser feliz como pensara ser naquela tarde. Melhor ainda seria tê-lo ali naquele quarto de hotel aconchegante. Já imaginou que delícia andar de mãos dadas por essa cidade linda, depois voltar para aquele cantinho e fazer tudo aquilo que os deixavam deliciosamente exaustos?
Agora acabara o sossego de vez! Acordar do sonho era tão desconfortável quanto pisar descalça sobre areia aquecida pelo sol de sua terra.
Era pior. Despertar daquele tipo de sonho era muito desesperador. Nem podia correr ou gritar. Refletiu um pouco e decidiu: só havia uma coisa a fazer: entrar numa Brioche Dorée, tomar um chocolate quente com croissant (vários, de preferência) e descer até a igreja de Saint-Germain-des-Prés.
Comer e rezar, para afastar desejos impossíveis. Depois, um café e um táxi de volta ao hotel. Sofrer de amor em Paris é no mínimo mais charmoso.