Lulu Parola 
                  e Santo Antônio


          Em junho, costumo homenagear Santo Antônio de Pádua escrevendo uma crônica antonina. E quando posso, vou à novena de dona Zumira, fervorosa devota do santo lisboeta, e minha velha amiga.
          Durante a reza, canta-se longos e piedosos benditos; bebe-se um excelente licor de jenipapo; e come-se amendoim cozido. Amendoim cozido? Quem já viu isso? Disseram-me, que é coisa que só tem na Bahia. 
         Verdade é que faço um insano esforço para não voltar a escrever uma crônica falando do santo casamenteiro.  Porque, a rigor, nada de novo eu teria a acrescentar ao que as revistas e os jornais dizem sobre Antônio, o santo patrocinador de bons casórios. 

          Se tivesse um pouco de paciência, me alongaria falando sobre Antônio de Pádua, o consagrado e temido orador sacro; o "martelo dos hereges".
        Bastaria recorrer a um dos mais belos sermões do padre Antônio Vieira. Aquele que o jesuíta proferiu em 1654, no Maranhão, sobre o santo lusitano e os peixes. 
          (Indignado porque não era escutado pelo povo de uma cidadezinha às margens do Adriático, Antônio muda "o púlpito e o auditório". Vai ao mar. E, na versão de Vieira, "começa a dizer a alta vozes: Já que não me querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes."

               Mudei, porém, de rumo e decidi escrever minha crônica antoniana com a saudável ajuda do poeta baiano Aloysio de Carvalho, que usava o pseudônimo de Lulu Parola.
          Durante décadas, Lulu Parola assinou a coluna intitulada Cantando e Rindo, publicada nos maiores e melhores jornais da Bahia.
          Através dessa coluna, muitas vezes repleta da mais sadia ironia, o vate Parola dialogava, alegremente, "com sua Cidade e a sua gente". 
          É do Lulu Parola os versos que, a seguir, vou transcrever, escritos no dia 13 de junho de 1911. 

          "Meu Santo Antônio faceiro,
     Santo dos mais adorados,
     Que, sendo um santo solteiro,
     Cresces o rol dos casados!

         Os teus milagres são tantos,
     Que é justo que eu te consagre,
     Hoje, meus pálidos cantos,
     Também pedindo um mulagre!

          Arranjas mil casamentos,
     Santo querido das moças!
     Venho louvar-te os intentos...
     Quero, porém, que me ouças:

          Deves fazer a união
     (Bem sei que o encargo é tremendo)
     Entre casais que aí estão,
     Como solteiros vivendo...

          Dêstes, assim mal casados,
     Alguns exemplos darei:
     A União e os Estados;
     Os governantes e a Lei;
     O orçamento e a receita;
     A meninada e a instrução;
     A sementeira e a colheita;
     O eleitorado e a eleição;
     O vendilhão e a balança;
     O telegrama e a presteza;
     Política e confiança;
     Qualquer horário e a certeza;
     O deputado e o mandato;
     A criadagem e o serviço;
     Certas modas e o recato;
     Cumprimento e compromisso;
     O cidadão e o Direito;
     Posso, em resumo, dizer,
     Fazendo quadro perfeito,
     Que - o cidadão e o Dever...
     Mas longa a lista eu faria,
     E deixo de aqui fazer, 
     Porque Você, neste dia, 
     Tem mais a quem atender.

         Fica, entretanto, apontado
     Quanto de acordo é preciso!
     Sim, Santo Antônio afamado,
     Dai a esta gente - JUIZO!...


         Aloysio de Carvalho nasceu em Salvador no dia 27 de março de 1866; e morreu no dia 2 de fevereiro de 1942. 
     Leia, meu caro amigo, com calma, estes versos. Perceberá, que as súplicas e observações do Lulu Parola a Santo Antônio de Pádua, feitas há mais de noventa anos, podem ser repetidas, agora, pelos brasileiros; sem tirar nem pôr.
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 10/06/2007
Reeditado em 05/11/2020
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