Recheio ou Cobertura?
Recheio ou Cobertura?
Jorge Linhaça
O que lhe agrada mais, um bolo finamente decorado, com uma cobertura impecavelmente produzida, ou outro, com um recheio primoroso, na medida certa entre a cremosidade e a textura?
Cada um dos amigos há de ter a sua opinião, baseada em sensações e lembranças afetivas que sempre estão presentes em nossas experiências gustativas, especialmente quando envolvem festas e remetem à nossa infância.
Na nossa sociedade atual, com a gourmetização dos mais simples petiscos, estamos cada vez pré-dispostos a comer com os olhos além de com o paladar. A apresentação de um prato tornou-se tão ou, às vezes, mais importante que os seus ingredientes.
Nas relações humanas existe uma tendência semelhante, cada vez mais a aparência e a ostentação vêm substituindo o conteúdo do ser humano. Mulheres e homens com corpos esculpidos à base de cirurgias e horas de academia são vendidos como ideal de beleza e sonho de consumo para o sexo oposto e suas variantes.
As roupas de grife, acessórios e bens de consumo deixaram de ser complementos e assumiram o papel de personagens principais para atrair as atenções de nossos pares e criar a atmosfera de sucesso social ou profissional. A “cobertura” e/ou a “apresentação do prato” são armas ou armadilhas para muitas vezes iludir os incautos.
Há um dito popular que diz: “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”.
Nada mais atual para definir boa parte das pessoas desta sociedade “moderna”.
Não é que a apresentação do prato ou a cobertura do bolo devam ser vistas como algo desprezível ou pernicioso, pelo contrário, como complemento são bastante satisfatórios, a questão é que não basta parecer, é preciso antes de tudo “ser”, o conteúdo, ingredientes ou recheio, é que vão, enfim, determinar a qualidade de nossas relações afetivas, amorosas e profissionais. Talvez, o exemplo mais contundente do quanto as pessoas se deixam iludir pelas aparências, seja o que ocorre nas campanhas políticas, onde os marqueteiros profissionais maquiam discursos e aparência dos candidatos com a finalidade de atrair e iludir os eleitores.
Mas a busca de popularidade não está restrita a esse segmento da sociedade. Os discursos vazios maquiados de um falso conhecimento e erudição, com frases feitas e de efeito, parecem ser o mote preferido por aqueles que se recusam ( seja de maneira consciente ou inconscientemente) a analisar fatos e comportamentos, deixando-se levar por um senso comum desprovido de profundidade.
Os movimentos deflagrados pelas redes sociais, seja de cunho político, social ou cultural, agregam centenas ou milhares de pessoas, cuja maioria desconhece mais do que a superficialidade dos acontecimentos, levados por um sentimento de manada que impede o pensamento individual e dissemina medos e reações, criando uma cadeia de sinergia que se retroalimenta de si mesma. Quando o medo e o ódio substituem a razão e as palavras de ordem atropelam a análise o quadro desenhado aponta para o fim das liberdades individuais e a entrega do controle sobre nosso destino àqueles que , de alguma maneira, desejam lucrar com esse tipo de comportamento.
Todos nós devemos cuidar de adquirir conteúdo nos mais diversos aspectos de nosso conhecimento, exercitando a nossa capacidade pensar por nós mesmos, ainda que isto nos torne uma exceção a regras, que, cada vez mais, nos são impostas pelo pensamento coletivo e superficial.
Senão, corremos o risco de abocanhar um belo bolo, cuja apresentação e cobertura são maravilhosas e cujo recheio pode bem ser constituído de larvas de insetos e laxante. O resultado para nossa saúde física, emocional, espiritual, psíquica e social, por certo, não será dos melhores.
Nem tudo que reluz e ouro e nem tudo que balança cai.