Cronicas de busão - Carro de boi
Cronicas de busão - Carro de boi.
- Ow, que é isso motô! Isso aqui não e carro de boi não! Ce num tá levando gado! - gritou irritado um moço de boné, roupa esportiva com aquela cara e gíria do tipo " não mexa comigo", numa comunicação tensa entre espelhos com o motorista.
Nunca andei e nunca vi carro de boi .Mas pelo tom que o moço usou, cheguei a imaginar que os pobrezinhos dos bois não sobreviveriam a velocidade que aquele busão estava .Vi em minha mente, um boi em cima do outro, chifres e patas para todos os lados tendo como base as freadas do coletivo caso ocorresse no carro de boi.
- Que foi aí curintiano? que é que tá pegando?-respondeu o motorista em tom de desafio pelo espelho.
- Ce acha que tá certo ainda mano? Aqui tem vidas, tá ligado? tem senhora que quase caiu aqui e nóis tá dentro da cidade e ce correndo que nem um louco?
- Qual problema, curintiano? é assim mesmo que anda.Achô ruim, vaza fio.
- Meu, não me chama de curintiano, certo? E não é assim que se anda derrubando os passageiros, valeu? Véio, ó, parada num tem idéia é ali, vai querer resolver? já era...
Todos olham pra frente.O coletivo parado em frente a rodoviária, silencio e sinal vermelho (vixe).
- É pra já, mano! Quer resolver, já era.Já parei o carro.Não tenho medo de você não! - responde o motorista com o onibus parado e agora todos olham para o moço aguardando sua tréplica.
- Minha conversa contigo é fora daqui, tá ligado.Minha conversa contigo é lá fora! Fica esperto nas esquina lá no bairro valeu?
Em seguida, o motorista para o onibus no ponto.Na descida, o moço de boné faz um sinal para o motorista, algo como "me aguarde"...
Motorista segue e vai se gabando falando alto para todos ouvirem que nao tem medo de malandro e de bandido.
A volta.
Naquela mesma noite, na volta para a casa.
A mesma linha, o mesmo banco, o mesmo motorista quando de repente, aquele mesmo moço de boné, aquele mesmo que pediu - do jeito dele - que o motorista dirigisse melhor sem trancos e solavancos, quando teve até que segurar uma senhora para que ela não caísse, apareceu.
Ele faz um sinal pro motorista com as mãos."Vem cá".
O motorista fica pálido.Quieto.Só três pessoas no ponto.Quase que consegui imaginar seus pensamentos:" caramba, o que esse cara vai fazer comigo?"
Mesmo reticente e em silêncio ele desce.Atravessa a rua do outro lado onde o moço o aguardava.
- Mano, ce é muito otário. Ce tá com medo agora porque não esperava que eu voltasse agora né? Se eu quiser apagar voce, num te chamava no meio da rua.Te pegava lá no bairro, nas quebradas e já era.A parada é seguinte e pro seu próprio bem - DIRIGE CERTO, tá ligado? As pessoas pagam as passagens cara e põe a vida nas suas mão, véio e você fica pagando pau pra menina dentro do busão? Eu não puxei 5 anos de cadeia pra sair e conseguir um bom trampo pra morrer de graça porque ce tá de brinca no seu serviço, véio.O toque é pro seu próprio bem, valeu? Vale o toque que é de graça e não dói nada...
Motorista calado, ouviu tudo.Estendeu o braço no sinal de cumprimento e e foi recíproco.
Alívio.
O que foi aquilo?
Ainda bem que acabou tudo bem...
Volta foi tranquila, velocidade agradável.
Na hora de descer no bairro, moço levanta e puxa a campainha.Motorista lá na frente grita:
- Ow curintiano, já vai bixo?
- Véio...já não te disse pra não e chamar de curintiano?!
Ai,ai,ai...