As velas
                  do Mucuripe




                   Onde vai a afouta jangada,
                  que deixa rápida a costa cearense,
                  aberta ao frescor terral a grande VELA.
                                                                      José de Alencar

          1. Em Fortaleza, vivi parte de minha juventude: idos de 1952-56. Aluno do Liceu do Ceará, diria que, por isso, todas as portas da encantadora capital cearense se abriam para mim, naquele momento, um jovem árdego e sonhador...
          2. Nesse período, relativamente pequeno, fiz tudo o que eu tinha direito: fui bancário; servi ao Exército Brasileiro; estudei no Liceu do Ceará; passei no vestibular de Direito; farreei à beça; namorei lindas e feias mulheres; e, por alguns meses, fui noivo de uma bonita e inteligente alencarina... Onde eu morava? Em Jacarecanga, um bairro muito símpático!
          3. Tudo passou muito rápido! Mas, desse tempo, eu guardo boas recordações. Como diz o Roberto, "O que foi felicidade me mata agora de saudade". 
          4. Tenho saudades da Fortaleza que ficou no começo da minha estrada: um lugar pequeno, romântico, pacífico e gostoso... Quando, por força das circunstâncias, em 1957, tive que deixá-la, chorei... Moro em Salvador, faz mais de cinquent´anos. 
          5. Hoje, 13 de abril, é o aniversário de Fortaleza: 289 anos. Muito nova!  Pelo menos para quem, como eu, mora numa cidade que acaba de festejar 466 anos de idade, sob ensurdecedor foguetório e ao som dos atabaques.  
          6. A Fortaleza d´agora é outra; bem diferente daquela cidade que tive o enorme prazer de viver seus cantos, recantos e encantos, início dos anos 1950, depois de deixar os austeros claustros dos seminários franciscanos.
          7. Fortaleza não é mais aquela cidade doce que a gente encontrava os amigos, todos os dias e a qualquer hora, na Praça do Ferreira, aos pés da velha coluna da hora.
          Ou no famoso Abrigo Central, na mesma praça, para, juntos, "tomar um menor", com tapioca feita na hora e ensopada de manteiga da terra.
          No Abrigo, fuxicava-se e se ficava sabendo das últimas: - deu na Ceará Rádio Clube e na Rádio Iracema; saiu no Unitário e no jornal do Doutor Paulo Sarazate, O Povo; no Diário do Povo, o jornalista Jáder de Carvavalho escreveu que...; isto está na coluna do Lúcio Brasileiro etc., etc. 
          8. Se a gente preferisse um saboroso caldo de cana, era só atravessar a praça do Ferreira e, na Floriano Peixoto, estava A Merendinha, do meu amigo e colega de Faculdade Geraldo Quezado. 
          9. Um delicioso pastel de carne? era só ir ao Leão do Sul, também na Praça do Ferreira. Um bom filme? era só entrar no majestoso São Luiz, "chiquérrimo", como dizia o pessoal das colunas sociais e assemelhadas.
          10. Saber das horas? era só olhar para a Hora Certa, tradicional e respeitada loja de relógios e jóias da capital cearense. 
          11. Os bons tempos se foram.                 Hoje, Fortaleza não é somente a Praça do Ferreira. Fortaleza cresceu; virou metrópole. É uma "cidadona", como diz um amigo meu dos anos 1950. Era inevitável que assim acontecesse.
          12. Veio-me agora à lembrança estes versos do poeta alencarno Artur Eduardo Benevides, no seu Canto de Amor a Fortaleza:
          "Cidade das velhas serenatas/ das doces pastorinhas e fandangos/ das retretas românticas, das valsas,/ de usanças que o tempo já não traz.  ==  Quem foi que sepultou teus violões,/ tuas cirandas, modinhas e quermeses,/ tuas festas de Reis, tuas lanternas,/ teus sobrados, serões, e bandolins?" 
          13. Andei, nas últimas horas, vendo como melhor abraçar minha querida capital, no dia do seu aniversário, sem cair no trivial.   
           Escrever sobre a Fortaleza dos meus dezoito anos? Ah! Quanta coisa bonita eu teria pra recordar... Perguntei a mim mesmo: quem garante que essas relembranças vão interessar aos diletos conterrâneos da Fortaleza de 2015? Atento a isso, não quis arriscar. 
          14. Resolvi homenagear Fortaleza falando sobre as velas coloridas e graciosas das jangadinhas do Mucuripe; as velas dos Mucuripe que arrastam as frágeis jangadas, desde 1635, segundo Luís da Câmara Cascudo. 
          15. As jangadas, sem suas velas, não vão a nenhum lugar. E aqui faço um pedido: senhores,  pelo amor de Netuno, jamais substituam as velas por barulhentos motores de popa. Não deem bolas para o progresso.
          16. Velas corajosas, afoitas, deixam a praia, mal o dia rompe. Levando o jangadeiro, elas invadem o mar de Fortaleza, "o velho mar bravo e inquieto, o mar de grandes ondas rugidoras..."
          E trazendo-os, jangada e jangadeiro, de volta à terra, "na primeira sombra da noite", como disse o escritor Herman Lima, em bela página, no seu Imagens do Ceará     
               17. Poetas, cronistas, romancistas alencarinos, de todos os tempos, cantaram as jangadas do Ceará, dando justo realce às suas velas. Lembram-se do Juvenal Galeno?  
               18. O cancioneiro popular não as esqueceu.           O compositor e cantor Raimundo Fagner, por exemplo, fala sobre elas em bela canção que todo cearense pai-d´égua sabe de cor: "As velas do Mucuripe/ vão sair para pescar".
              19. Ouvindo essa canção do Fagner, abraço, de longe, minha linda Fortaleza, ajudando a apagar, com um sopro amigo, suas 289 velinhas. 

Em tempo - Quero dar brilho a esta modesta crônica transcrevendo estes versos de Adelmar Tavares: "Vela Branca  -  Vela branca, vela branca,/ que vais lá longe...no mar.../ quem me dera, vela branca/ que me quisesses levar/ para tão longe...tão longe,/ que eu não pudesse voltar...  =  Mas uma vez, vela branca,/ que não me queres levar,/ para tão longe...tão longe.../ que eu não pudesse voltar,/ leva-me a saudade dela/ para o mais fundo do mar."
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 12/04/2015
Reeditado em 16/04/2021
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