De Uma Manhã de Sábado

     Costumo acordar mais tarde aos sábados. Sem a cobrança do tempo do trabalho o corpo relaxa e entrega-se aos carinhos dos lençóis. Despido da armadura com que enfrento os desafios da semana, fico livre para fazer somete o que a coragem permitir. Muito pouco, ou quase nada. Substituindo o preto, que me acompanha a semana inteira, posso usar qualquer cor, embora, quase sempre, quando me dou conta, estou de preto (difícil arrancar de nós mesmos aquilo que gostamos).

     Livre das formalidades da semana posso vestir short e calçar chinelos, mas onde eles se escondem que termino saindo no estilo de sempre? Mas, trocar o figurino do trabalho pelo “a vontade” nos liberta das máscaras que os compromissos nos impõe. A nudez nos incentiva a verdadeira troca, nos deixa mais próxima do outro, mais integrados com o mundo, aumenta nosso conhecimento.
 

     Via de regra, parece que sábado é dia de não ter pressa. Dia de andar curtindo o som dos próprios passos.  Dia de perceber que a vida ganha mais celeridade quando perde a velocidade. Que o tempo, quando usado, conscientemente, parece se prolongar. Esticar seus ponteiros, talvez para nos alcançar e nos resgatar de nossa pressa. Neste sábado, próximo passado, tinha um compromisso com a poesia. Vesti-me de felicidade e fui ao encontro de meus companheiros de sonhos no “Delícia Café”.
 

     Era dia de conhecer novos escritores e reencontrar outros que não via a algum tempo. Fui agraciada com a delicadeza de Flávia Arruda , cronista que desponta no cenário mossoroense como grande promessa da literatura. Pelo que já li dela não é promessa, é fato. Foi um encontro memorável. Com participação expressiva de escritores e amantes da poesia. A conversa fluiu. Os risos foram altos e sem cerimonias.

     A recitação é sempre espontânea. Iniciada por nosso cronista, contista, poeta e editor Clauder Arcanjo. O engenheiro mais escritor que conheço. Os poemas eram recitados na mesma proporção que os cafés surgiam.  A conversa “corria solta”.  Em dias especiais os acontecimentos também são especiais. Ou seria o contrário? Depois descubro a ordem dos fatores, agora preciso contar que em meio a um barulho ensurdecedor de um carro de som que resolveu parar bem em frente ao café surge uma pomba na janela. Creio que trazia a mensagem dos deuses da poesia para todos nós. Encantou-nos. Pousou para fotografia e foi levar sua mensagem para outras paragens.
 

     Alguns dos participantes, como o querido Pe. Guimarães, precisaram sair mais cedo, mas o encontro continuou. O grupo ficou menor, mas a animação continuava. Nossa poetisa Fátima Feitosa, que havia confundido o horário finalmente chegou, e (re)começamos as apresentações. Momentos de falarmos de nossos sonhos comuns – a literatura. Em mesa de café fala-se de tudo. É uma espécie de consultório, confessionário, banco de praça. Cabem todos os assuntos, mas ali parecia só caber poesia. O elo comum a todos. No encontro onde o sonho de transformar palavras em boa literatura os corações sangram de poesia e os sonhos resistem a tudo.
 

     Quase no final do encontro combinamos que reservaríamos, a partir daquele dia, um sábado por mês para nossos encontros. Percebemos que aos sábados a participação é maior. Sem a pressão ditada pelo relógio dos compromissos a conversa é mais agradável. Até os abraços são mais apertados. Se o sábado é o dia de não ter pressa, que seja, a partir de agora, o dia de sentarmos para falarmos de sonhos, poesia, alegria, amizade e, claro, vida, porque viver sem café, poesia e amigos não dá, estes são os combustíveis da vida.
 

     Alguém já disse que gostaria de colocar três sábados na semana. Se fosse possível eu colocaria mais. Quem sabe encontraríamos tempo para viver? Quem sabe o mundo perceberia que a vida acontece nos intervalos de nossos inadiáveis compromissos! Quem sabe descobríssemos que o verdadeiro dia útil é o sábado, afinal é na sua inutilidade* que encontramos tempo para perder tempo com as coisas que gostamos.
 

     Depois conto sobre a noite deste mesmo sábado. Adianto, apenas,  que foi maravilhosa.
 
Minha Caixa de Chocolate


N.A: *Inutilidade porque convencionamos chamar de dias úteis de segunda a sexta.
Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 12/04/2015
Reeditado em 26/05/2015
Código do texto: T5204569
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