O PRESENTE

O barulho dos carros buzinando num trânsito louco, que na maioria das vezes, tira a minha concentração, chego a ficar tonto mesmo morando na rua desde os cinco anos, não consigo me acostumar. Ah, como queria estar em uma praia deserta igualzinha àquela da TV, seria tudo de bom. Mas, por outro lado, talvez não fosse tão bom porque o silêncio absoluto deve ser horrível. Aqui apesar dos barulhos, tem gente passando pra lá e pra cá, que nem bala pega. Uns fingem, outras percebem minha presença e fogem, rsrsrsrs, muitos pensam que sou ladrão. Infelizmente, a aparência fala mais alto.

Detesto quando sou confundido. Sou simplesmente um menino que nunca foi a escola e vivo perambulando por aí em busca de novidade. Num desses passeios, conheci Dona Suzana Souto, proprietária de uma banca de revista e jornal, super desconfiada, e por vezes, mal humorada. Contudo, consegui fazer com que ela simpatizasse comigo. Passei a frequentar a banca dela todos os dias. Eu adorava ver as gravuras das revistas. Quando percebeu que eu não sabia ler, aproveitou e passou a ensinar-me os segredos da leitura e escrita, usando as próprias revistas. Em pouco tempo já estava lendo tudo. Quando chegava mercadoria ela dizia “Oh, Marcelo, chegou uma caixa de gibis.” E eu ficava doidinho de tanta empolgação.

Certo dia, chegando próximo a banca de D. Suzana vi uma caixa bem brilhosa e colorida. Fui logo perguntando a ela de quem era aquela caixa tão bonita. E disse-me imediatamente que não era de ninguém. Então, era perfeita para meu plano. Saí correndo desembestado com a pequena caixa nas mãos. Antes de chegar ao meu destino, preparei tudo para meu plano dar certo. A primeira coisa que fiz foi colocar em letras de forma a palavra “PRESENTE”, colada na caixa; coloquei tudo o que eu tinha dentro dela e fui para a esquina mais movimentada do centro de João Pessoa.

Coloquei a caixa com o nome enorme e sentei bem em frente, esperei que alguém se aproximasse. Esperei... Esperei... E esperei. Ninguém estava interessado em saber o que um garoto de rua, mal vestido, teria para oferecer dentro de uma caixa tão bonita. Mesmo assim, continuei na esperança de presentear alguém. Depois de muito tempo, aproximou-se um homem, gordo e alto. Olhou para o meu presente e perguntou:

- Oh! Menino, de onde você roubou essa caixa bonita? - Falou todo bravo.

- Eu não roubei não senhor. - Respondi já me tremendo todo.

- Venha comigo agora, seu ladrãozinho. - E saiu puxando o meu braço com força, levando meu presente também. Fomos para a delegacia do menor, que ficava a dois quarteirões dali. Ele era o delegado, Sr. Marco Antônio Guerra. Chegando lá, empurrou-me para um lado e pegou minha caixa, viu o que estava escrito e falou:

- Vamos ver a prova do roubo seu pivete? Hoje você não me escapa. – Ele estava bufando de raiva estressado, nem imaginava o que havia dentro da caixa. Imediatamente, retirou a tampa. Olhou e viu que dentro tinha apenas um pedaço de papelão emborcado. Quando pegou, leu o que estava escrito: “Quero te presentear com um abraço de um menino de rua fedorento, mas cheio de esperança de um dia ir para a escola.”.

Completamente emocionado e envergonhado, tomou um impulso e me abraçou com tanta força que quase desmontei. Ficamos uns minutos assim. Sem conter as lágrimas o delegado me pediu perdão e a partir daquele dia prometeu ajudar-me com meus estudos até chegar à faculdade, realizando assim o sonho de um menino de rua cheio de ESPERANÇA.

O que um gesto simples pode fazer.

DEBORA ORIENTE

Debora Oriente
Enviado por Debora Oriente em 10/04/2015
Reeditado em 28/02/2024
Código do texto: T5201317
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