SOBRE O BEM E O MAL

Alguém já parou pra pensar que o bem e o mal só o são, as mais vezes, pela idéia que deles temos? Monsiuer Montaigne já. Vamos conhecer o pensamento dele, que começa com um dito grego que diz: os homens atormentam-se  com a idéia que tem das coisas e não as coisas em si. Seria de bom alvitre se isto fosse provado como verdade  absoluta, pois se o mal só tem acesso em nós porque julgamos que o seja, parece que estaria em nosso poder, ou não levarmos a sério ou a colocarmos a nosso serviço. Se tal coisa depende de nós, o raciocínio de  Montaigne  é: por que não a resolveremos, liquidando-a ou tirando vantagem dela? Se aquilo a que chamamos mal não é nem mal nem tormento, e se somente nossa fantasia  lhe atribui tal qualidade, podemos modificá-lo. E, em podendo, é absurdo de nossa parte, e sem que nada nos obrigue, apegarmo-nos à solução mais aborrecida E por que atribuir à doença, à indigência, ao desprezo um gosto ácido e mau se o podemos modificar? Pois o destino apenas suscita o incidente; a nós é que cabe determinar a qualidade de seus efeitos. Vejamos, portanto se é possível afirmar com autoridade que aquilo a que chamamos mal não o é em si, ou, o que dá na mesma, se ainda que o seja depende de nós mudar-lhe a aparência e as conseqüências. Seguindo o raciocínio de Montaigne, se as coisas que tememos tivessem um caráter  próprio, a todos, se imporiam de igual maneira, produzindo idênticas conseqüências. Todos os homens são, efetivamente, da mesma espécie e, com pequenas diferenças, providos de órgãos semelhantes, instrumentos de concepção e julgamento. A diversidade de opiniões acerca das coisas mostra claramente que atuam sobre nós segundo um dado estado de espírito. Quando um que seja as admite como são realmente, mil outros as deformam e modificam. Encaramos a morte, a pobreza e a dor como nossos piores inimigos. Ora, essa morte que alguns consideram “ a mais horrível entre as coisas horríveis” outros a julgam o único refúgio contra os tormentos da vida – o maior benefício que nos  deu a natureza – “a única garantia de nossa liberdade – o único amparo imediato e comum a todos contra os males”. Aguardam-na alguns a tremerem de medo; outros, preferem-na à vida. E não falta até quem a considere demasiado acessível.

 
Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 09/04/2015
Reeditado em 09/04/2015
Código do texto: T5200673
Classificação de conteúdo: seguro