Os Inusitados Momentos Das Dores De Cabeça Nas Filas Pesadas Em Instituições
Uma quinta-feira qualquer, dia ensolarado, acordo cansado, pulo da cama e abro a janela com certa brutalidade. Contemplo a vista enquanto duas ou três pessoas passam pela rua, com passos leves, postura desagradável e falando um pouco alto. Ainda me lembro das frases, mas não quero pronunciar, não posso e não consigo reproduzir as irritações que as sociedades complexas me causam. Após observar aquela cena, penso duas vezes antes de colocar os pés na rua e me contaminar com mais poluição sonora e visual. Parece até fricote, mas não é. Tenho lá minhas sensibilidades artísticas, portanto me encanto facilmente pelo belo e tenho constipações quando inserido em ambientes mal-apessoados.
Tinha ciência que na minha futura profissão encontraria os mais variados casos e pessoas, que na maioria das vezes, não eram agradáveis, mas como ser de estrutura polissêmica, atordoado de significados pra vida, achava-me no direito de desdenhar do que eu quisesse, eis a minha liberdade, minha fúria psíquica e minha válvula de escape.
Após muita reflexão, decido ir até o banco. Caminho com passos largos, olhar fixo para o final da rua, com óculos de sol, com o intuito de evitar proximidade, afinal, alguém poderia se achar no direito de me encher com problemas pessoais que não me interessavam nem um pouco naquele momento. Então segui, eis que enfrento a fila, de repente, uma dor de cabeça toma conta do meu ser, minha irritação vai ao topo, respirava fundo e soltava com ar de indignação, às vezes, soltando reclamações cotidianas.
Quando olho pra trás, vejo uma senhora tendo problemas em entrar com o seu cachorro, primeiramente, penso em ignorar, pois não era problema meu. Depois, como uma maldição, aquilo foi me incomodando, de algum lugar surgiu uma suposta humanidade em mim e quanto mais eu lutava mais eu queria ir até lá. Não suportei e fui. Me ofereci pra tomar conta daquela bola de pelo, um Poodle velho e irritado, visivelmente estressado, eu, no meio da praça, segurando o cão e ele rosnando pra mim. Me arrependendo infinitamente por ter feito aquilo, xingando o mundo, depois de uns 20 minutos ela volta.
"Você é um anjo, muito obrigada", e me ofereceu R$ 50,00, não aceitei claro. Então, ela saiu com o sorriso nos olhos, segurando o Arnaldo no colo e aquela imagem me emocionou completamente, eis que vejo o belo, no meio ao caos, o amor sincero entre dois seres. Aquele cão a suportava e a amava, ela, coitada, com certeza só o tinha como companhia. Então chorei, voltei pra casa, sem conseguir resolver meu problema, mas com uma sensação estranha de estar vivo.
Agora, olho pra janela, e percebo o mundo, pelo menos por enquanto, como algo merecedor de atenção. Sem julgamentos respiro o ar do interior que, incrivelmente, já é poluído. Concluo que aquela fila foi sagrada, assim como a dor de cabeça, e o Poodle velho. Agora respiro aliviado.