Meu matulão

MEU MATULÃO

Gosto de montar no meu cavalo nas madrugadas outonais e sair levantando poeira pelos caminhos de terra e pedregulho. De vez em quando um galho lambe a minha cara como se estivesse com sede de meu suor, ou querendo ganhar vida sugando gotas de meu sangue. O cavalo não reclama, eu não reclamo; pior é na cidade grande onde os galhos matam, os galhos são bandidos.

Vou arrastando paisagens e colocando dentro de meu matulão. Com a boca seca e saliva grossa, boto pra dentro um punhado de farinha seca, só para enganar a boca da fome. Mastigo o que não tem pra mastigar, mas, pelo menos, afina a saliva. Depois, um gole d’água e a viagem continua.

Vou engolindo com os olhos tudo que tem na minha frente até o horizonte. São serras e vegetações, verdes e amarelas, da cor do Brasil. Vejo gado seco e cabras saltitantes, comendo o que não tem para comer e com a língua lambendo a lama grossa. Um menino buchudo correndo atrás do preá.

O rio de inverno que corre manso, molhando as esperanças, lavando os trapos e dando de beber a quem tem sede. Também serve para banhos e folguedos das crianças que não se aperreiam com o futuro. Vejo de tudo e vou socando no meu matulão.

Desistir de trotear, nem a pulso, sigo o meu caminho procurando mais material para empanturrar minhas lembranças. Da vida não se leva nada; nascemos nus e morremos nus. Pra que abastança? Pra que sovinice? Deus nos deu ouvidos para ouvir, boca pra falar e a massa cinzenta para discernir. Não precisamos de mais nada. Acumular? Só se for experiência e bons momentos!

Amor! O amor faz derreter qualquer rocha empedernida e faz correr a lava da paixão. Eu amo a relva rasteira que arrodeia minha casa assim como a mulher que tenho na minha cama. Recordações? Só guardo as boas, as outras jogo no lixo de esquecimento. As frustrações não devem encontrar guarida nos corações dos puros.

No fim da tarde estanco meu pangaré, tomo um banho de cuia com água gelada e sorvo a vida num prato de sopa quente. Antes de descambar na cama, abro o meu matulão e vejo tudo o que colhi durante o dia. Esvazio tudo e coloco dentro do meu coração. O sono chega ligeiro como lembrança.

Amanhã é outro dia.

Anchieta Antunes

Anchieta Antunes
Enviado por Anchieta Antunes em 09/04/2015
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