Quando surge a solidão
Quando nascemos, já enfrentamos a solidão. Somos obrigados à deixar o espaço aconchegante da barriga de quem nos criou para aquele cara de branco cortar o cordão, e ainda dar um tapa no bumbum. E então pela primeira vez, nos joga à dormir em um quadrado de algodão para que nunca mais voltemos para a antiga casa na mamãe. Mas até que as coisas não ficam tão ruins, pelo menos ganhamos um leite exclusivo, e um berço com fru-fru cor de rosa ou azul.
Enquanto não sabemos que uma colher serve para comer e não para brincar de aviãozinho, não nos sentimos tão sós. E quando acordamos num lugar escuro e sem nenhum barulho, a nossa arma é soltar o choro para expulsar a solidão e ganhar um colo no meio da noite. Vai tudo bem. Mas na inocência de uma criança, soltamos a primeira palavra. E a palavra nos faz ter que ir para um lugar chamado escola, ou apenas chamado de reunião de solitários. Porque os grandões não entendem que quando a primeira palavra é mamãe e papai, era porque queríamos ficar com eles em nosso cantinho secreto. E não ter de passar a tarde com mais um monte de crianças solitárias, para aprender mais e mais palavras. Se eu soubesse disso antes, iria apenas curtir a minha chupeta.
Era tudo tão novo, e de "novo" eu só gostava dos brinquedos. Quando me acustumo com a tia de cabelos cacheados que ensinava o alfabeto e no fim da aula nos dava pirulitos de cereja, no ano seguinte surgia uma outra professora de cabelos alisados. Será que os adultos estavam brincando com a gente? mas eu não gostava dessas brincadeirinhas não, já sabia muito bem que eles não sabem brincar. E quanto mais crescemos e alcançamos a marcação que mamãe fez na parede, fica pior.
O que era brincar de massinha nas mesas coloridas, de repente, fica cinza e somos obrigados à ocupar o lugar da professora. Temos de ficar em pé na frente da turma, contar as palavras que aprendemos nos últimos anos para que o professor resolva se passamos de nível ou não. E no fim, temos de responder um papel de má aparência como uma prova de que não conversamos na aula, e nos vemos sozinhos outra vez sem nem poder perguntar se o colega não conversou e sabe aquela resposta. Bela vingança, grandões. Mas até que aquelas crianças solitárias viram adultas, e os grandões somos nós. Inventamos à cada dia uma maneira de enganar a solidão e os caminhos são muitos. Uns põem em Deus, outros nas pessoas e outros nas ocasiões. O que os adultos tem em comum é o medo da solidão. A gente sabe que um dia vai partir, mas quando alguém que afastou a solidão de nós resolve ir embora, não aceitamos. Nós choramos. E a solidão mais uma vez, volta. Mas se não fosse a solidão, sair do ninho seria em vão. Correr atrás do infinito seria utopia. E a felicidade não seria tão valorizada, não seria tão boa de sentir após aquela tristeza de estar só. Por isso, os adultos resolvem criar formas de um futuro melhor para a próxima geração, porque só quem enfrentou a solidão naquele corte do cordão, acha a solução.