Um caseiro empreendedor

Um caseiro empreendedor

maria da graça almeida

Não sei se por vingança, ou desgosto, hoje amanheci com vontade de tornar pública a genialidade do meu caseiro.

Talvez, a primeira hipótese seja a verdadeira, uma vez que ele,

dormindo tranqüilamente, não ouviu o alvoroço dos cachorros,

quando os ladrões entraram na chácara e levaram-me todos

os aparelhos que proporcionavam o lazer e a comodidade familiar.

Chegado o Natal, resolvemos presenteá-lo com uma televisão colorida e grande, para fazer-lhe as noites maiores e mais agradáveis.

E tudo o que conseguimos foi o aborrecimento de um funcionário

que logo ao amanhecer postava-se diante dela,

enquanto a tiririca pululava sobre o gramado infeliz.

Se apenas isso não bastasse, num dos fins de semana,

tão logo desci do carro, lá veio ele correndo a gabar-se da grande façanha:

- Troquei a televisão!

Virei-me surpresa, mas confesso que senti um certo alívio:

- Trocou?

- Negocião! Dei a televisão e mais nada e peguei um par de "faror de mia!”

- Farol de milha?- balbuciei perplexa - Você nem sequer tem bicicleta!

- É, mas não podia perder a ocasião. O "faror" é dos "bão"! "Quaji" novo!

Não disse eu mais nada e entrei em casa, nem sei se com pena ou raiva do pobre diabo.

No ano seguinte, nascia-lhe a filha e ele andava alucinado por uma máquina fotográfica.

Resolvi dar-lhe a mãozinha! Procurei uma que fosse de revelação instantânea.

Com isso poderia garantir-lhe a satisfação imediata, apesar de saber o filme bem mais caro do que os comuns, no entanto, como eu mesma os compraria...

Quando da entrega do presente, fiquei feliz com a alegria do homem.

Valeu a pena! – constatei, imediatamente-·

Expliquei-lhe direitinho, com muita paciência, como deveria usá-la e ele saiu eufórico para mostrar o presente à mulher.

No final da tarde, começando a escurecer, Juvenal - é o homem -desceu até minha casa já com as fotos às mãos.

Pensei avistar a família ali retratada, ou, pelo menos em várias poses, a caçula e tudo o que vi: cadeira, mesa, chaleira, porta fechada.

Ainda tentei olhá-las sob diferentes ângulos para, quem sabe, descobrir algum talento adormecido, ou reconhecer do homem o desejo inconsciente de ver algo além do nada...Mas, nada... Só o que vi mesmo: mesa, cadeira, chaleira e porta que se aberta, ainda teria eu a oportunidade de divagar, definindo-a como uma forma de ampliar o horizonte.

Passada a surpresa, meio sem graça, devolvi-lhe o produto da inabilidade, recomendando:

- Da próxima vez, fotografe a família...- com isso pensei estar encerrando o caso máquina.

Engano!

Num outro final de semana, ao chegar, lá vem ele de novo, rapidamente:

- Não tenho mais a máquina!

Ainda dentro do carro , perguntei-lhe:

- O que foi feito dela?

- Troquei! Negocião!

Desci desanimada:

- Desta vez, qual foi?

Sem responder, saiu correndo e voltou ofegante, com um controle remoto à mão.

Suspirei aliviada! Para eles, melhor uma televisão do que a máquina para fotografar portas e pés de mesa, ainda que prejudicadas as tarefas diárias.

Examinei o controle e ao devolver, perguntei-lhe:

-É boa a televisão?

-Não sei! Só tenho o controle!

- Como? E a televisão?- perguntei-lhe visivelmente irritada-

- Acha que “dava” pra trocar a máquina de retrato por uma televisão e mais um controle novinho feito "esse"?

maria da graça almeida
Enviado por maria da graça almeida em 20/09/2005
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