VERGONHA NA CARA
Quano eu era menino, na minha cidadezinham, meu Miraí pernambucano, havia um cidadão respeitadíssimo que era chefe de uma repartição pública. Ganhava muito bem para os padrões locais. Mas a esposa dele e sua família gastavam demais e, resultado, ele vivia endividado. Certo dia precisando urgente quitar uma dívida contraída pela esposa, o banco não podendo liberar um empréstimo de imediato, o cidadão no auge do desespero lançou mão da quantia no cofre da repartição: fê-lo a contragosto, mas confiava que dentro no máximo três dias reporia com o empréstimo. Mas eis que as traças do destino fizeram com que aparecesse na repartição uma inspeção que descobriu o desfalque. Sentindo-se desmoralizado, era um homem que tinha vergonha na cara, pegou o revólver e deu um tiro na cabeça. Não morreu por um milagre, o tiro entrou de um lado e saiu do outro sem atingir um órgão vital. Levado às pressas para o Recife conseguiu sobreviver, a saúde voltou, ele pagou pelo erro e nunca mais botou os pés na nossa cidade.
Pois bem, é desse cidadão que me lembro quando vejo na televisão esses ladrões da deleação premiada e outros corruptos, empalitozados, tranquilos, falando difícil, como se fosse a coisa mais natural do mundo roubar. Tem mais: se condenados a pena será reduzida por causa do acordo de delação premiada e, pasmem, se devolverem parte do dinheiro roubado terão direito a uma percentagem sobre a devolução. Fico revoltado com isso. Acho que o Brasil é mesmo o paraído dos safados como certa vez, salvo engano, Ermíro de Moraes desabafou.
Sou um homem pobre, um aposentado, nao tenho nenhuma fortuna, mas recebi uma grande herança de meu pai, herança que pode ser traduzida por um verso de uma música de Lupiscínio Rodrigues: "A vergonha foi a herança maior que meu pai me deixou".
É preciso ter vergonha na cara.