Sweet leaf
É inevitável que pessoas como nós, da classe dos artistas (em particular aqueles de um certo temperamento mais irritável, como… yours truly), provemos dos bons e velhos psicotrópicos esperando que isto nos traga alguma inspiração adicional. Eu mesmo lia as páginas de Coleridge, De Quincey e Baudelaire estupefato, pensando comigo mesmo como estas pessoas conseguiam ter tamanhas visões – e eu também as queria. Infelizmente, como nasci num século no qual não posso entrar numa farmácia e arranjar um frasquinho de ópio, tive que me contentar com a “doce Folha” na primeira oportunidade que me ofereceram.
Sendo sincero, eu nunca apreciei grandemente drogas e seus usuários – que, nos tempos de hoje, como vivem em meio aos bois, falam sua língua e com eles sonham apenas. Era-me indiferente a perpétua discussão sobre a possível legalização da Folha, e até então, devido a más escolhas e “blessures de l’âme”, havia apenas me embebedado com álcool. No entanto, à época dos eventos que narro contava com meus 18 anos; era já maior de idade, e apesar de certas decepções ainda era capaz de vislumbrar um futuro minimamente promissor. Havia recentemente entrado para a faculdade de Direito, que, no fim, foi o maior fiasco de minha vida, pois é bem sabido que estava sendo apenas um mero fantoche nas mãos de uma família desnaturada – mas à época cria que, no fim, conseguiria dar conta. Foi neste período que tive meu primeiro contato com a proibida Folha, da qual tanto fora admoestado e cujos efeitos poderiam levar à morte cerebral de acordo com os bondosos e conservadores senhores de idade vindos de tempos igualmente bondosos e conservadores.
Foi graças a um bom amigo de nome A… que fui apresentado formalmente à Folha – éramos colegas de classe na faculdade, e hoje ele é um bom advogado (o único deste país, quiçá do mundo, a merecer tal título). Ainda me lembro de como ele disse a mim, como se fosse compartilhar um dos maiores segredos do Universo: “Meu amigo! Hoje você irá experimentar o maior presente que Deus concedeu ao homem…” Eu e mais um outro colega, então, o acompanhamos até sua casa, e após uma preparação ritualística recebi de suas mãos a doce Folha, enrolada num fino papel de seda, cujo mero toque pareceu eletrizar-me. Mal me contendo de emoção, deixei que ele acendesse meu baseado…
E a partir daí tudo me pareceu abençoado. Tudo era um paroxismo da mais profunda alegria, não havia nada que não me fizesse sorrir. Eu amava o Sol, o céu, as árvores, as paredes da casa de A…, o próprio A… – minha existência era uma contínua fonte de júbilo. Perdi a noção do tempo e não soube quanto tempo havia se passado desde o primeiro trago, mas independentemente foram os melhores minutos (horas?) da minha vida toda até então.
Para a minha grande decepção, porém, nunca mais tive a mesma sensação que senti da primeira vez depois de fumar outras três – por isso, nunca mais procurei inspiração em drogas e afins. Não sei se isto se deve ao fato de eu ser um mau junkie, ou se estou fadado a colecionar momentos alegres que jamais haverão de se repetir, pois depois da primeira alegria todas as outras não tiveram o mesmo charme. Assim sendo, vi que, drogado ou não, tudo em minha vida permaneceria igual – e não preciso de drogas para amar o Sol, o céu…
Enfim! Minha função é contar histórias, e não discutir sobre o papel positivo ou negativo das drogas – mas de duas coisas estou certo: a primeira é que, no fim do dia, preferia jamais ter conhecido a Folha, por sentir tantas saudades de rir e ser feliz daquele jeito. A segunda é que, se isto é o mais próximo que chego de um “Paradis artificiels” ou uma “Confessions of an English opium-eater”, ai de mim…!
(São Carlos, 17 de outubro de 2022)